A raiva pública pelo aumento acentuado dos preços dos combustíveis em Angola desencadeou três dias de violência, parte da qual dirigida à grande comunidade chinesa do país. A violência destruiu lojas, fechou fábricas e levou milhares de residentes chineses a fugir do país.
Segundo relatos, os distúrbios surgiram a partir de protestos contra a decisão do governo angolano de reduzir os subsídios à gasolina. Os distúrbios antecederam a acção do governo, em Agosto, de encerrar 25 operações ilegais de mineração de criptomoedas chinesas e expulsar 60 cidadãos chineses envolvidos nessas actividades.
A mineração de criptomoedas é proibida em Angola devido ao peso que representa para a rede eléctrica do país. Na mineração, as pessoas utilizam hardware informático especial para resolver quebra-cabeças de matemática que validam e registam transacções numa blockchain em troca de recompensas em criptomoedas. Os cidadãos chineses detidos como parte da repressão tiveram 24 horas para sair do país.
Um vídeo recente partilhado pela BBC Zimbabwe e outros canais de notícias mostra dezenas de cidadãos chineses a inundarem o aeroporto internacional de Luanda, muitos deles empurrando malas com rodas. No vídeo, é possível ouvir um homem a falar com os chineses que partem do aeroporto em Português e a dizer-lhes “bye-bye” em Inglês.
Angola é o lar de cerca de 300.000 cidadãos chineses, uma das maiores comunidades chinesas do continente. Os cidadãos chineses possuem fábricas e minas no país. Eles também desempenham um papel importante na indústria da construção civil e nos mercados de retalho de Angola. Quase 100 lojas de chineses em Luanda foram vandalizadas quando a violência eclodiu no final de Julho.
A súbita explosão de violência contra os residentes chineses em Angola reflecte um ressentimento crescente em relação aos chineses, que muitos angolanos consideram estar a explorá-los e ao país como um todo, de acordo com analistas.
Em 2024, as autoridades angolanas encerraram duas fábricas chinesas por violarem as leis locais. Uma unidade de processamento de metais operava sem licença e poluía um rio local. Uma fábrica de plásticos foi acusada de manter os seus 113 funcionários angolanos trancados e a viver em condições insalubres. Os pescadores artesanais angolanos também se queixam de que os arrastões chineses estão a devastar os recursos pesqueiros dos quais dependem para o seu sustento.
O crescimento económico de Angola impulsionado pela China nas últimas duas décadas levou à corrupção e a disparidades socioeconómicas acentuadas em todo o país, com os 20% mais ricos da sociedade a beneficiarem mais dos acordos com a China e os 20% mais pobres a verem pouco dessa generosidade.
Angola tem sido o maior beneficiário africano da Iniciativa do Cinturão e Rota da China, que concedeu ao país 68,6 bilhões de dólares em empréstimos para infra-estruturas cruciais entre 2000 e 2021, de acordo com a AidData, um projecto que acompanha os investimentos chineses da Iniciativa do Cinturão e Rota em todo o mundo.
Entre outras coisas, os empréstimos chineses financiaram a construção do novo Aeroporto Internacional Dr. António Agostinho Neto, inaugurado em 2024. As novas instalações têm capacidade para 15 milhões de passageiros e 600.000 toneladas de carga por ano. Trata-se do maior aeroporto financiado pela China fora do seu território, de acordo com a AidData.
Angola concordou em reembolsar a sua dívida à China com exportações de petróleo. Nos últimos anos, porém, como a China desviou as suas importações de petróleo de África para a Rússia e o Médio Oriente, Angola tem enfrentado dificuldades para pagar os bilhões de dólares que ainda deve.
Para aumentar o ressentimento dos angolanos em relação à China, tal como noutros países africanos, grande parte do trabalho dos projectos da Iniciativa do Cinturão e Rota em Angola foi feito por empresas e trabalhadores chineses. Os angolanos contratados trabalhavam normalmente como operários.
Em alguns casos, os projectos chineses concluídos sofreram contratempos. Em 2010, por exemplo, o Hospital Geral de Luanda, construído pela China com um custo de 8 bilhões de dólares, foi forçado a fechar pouco depois da inauguração, quando fissuras no edifício levantaram a possibilidade de que ele pudesse desabar. Reabriu dois anos depois, após extensas reparações.
“Os investimentos chineses não corresponderam às expectativas de melhorar a capacidade tecnológica e as infra-estruturas de Angola,” a analista Sumie Yoshikawa escreveu no início deste ano para a Eurasian Review. “Além disso, muitas das estradas, casas e edifícios construídos por empresas chinesas eram de qualidade notavelmente baixa.”