As autoridades russas exigiram recentemente que a República Centro-Africana (RCA) pusesse fim à sua relação de longa data com o Grupo Wagner e substituísse esses mercenários pelo Africa Corps, uma força militar estatal, num acordo que inclui a construção de uma base militar russa no país.
A exigência é a mais recente demonstração da campanha em curso da Rússia para exercer influência política e militar em vários países africanos, enquanto extrai minerais valiosos, petróleo e outros recursos para on seu próprio benefício — tudo isso enquanto declara que a Rússia é diferente dos países europeus que colonizaram África.
“A cruzada anticolonial da Rússia contradiz os seus esforços para promover os seus próprios interesses políticos e económicos,” o analista Benjamin R. Young, da Rand Corp., escreveu na revista Foreign Policy.
Entre esses interesses políticos e económicos, destaca-se o enfraquecimento das sanções internacionais impostas à Rússia após a anexação da Crimeia em 2014 e a invasão da Ucrânia em 2022.
“A invasão da Ucrânia e o fracasso em alcançar uma vitória rápida acentua esta dupla dependência entre a Rússia e África,” o analista Ignacio Fuente Cobo escreveu para o Instituto Espanhol de Estudos Estratégicos. “Isso forçou-a a reforçar a sua política de redução da vulnerabilidade às sanções, controlando recursos críticos em África.”
Para esse fim, a Rússia tem usado a propaganda para incitar a opinião pública contra a França e outros países europeus com laços com África, enquanto se apresenta como alternativa.
Concentrou grande parte da sua atenção no Sahel, onde Burquina Faso, Mali e Níger sofreram golpes militares motivados, em parte, pela propaganda russa. Mas também exerceu nova pressão sobre países como a RCA, onde tem uma posição privilegiada graças ao Grupo Wagner e às suas operações mineiras afiliadas.
No início deste ano, a Rússia substituiu os mercenários do Grupo Wagner pelas forças do Africa Corps no Mali. A mudança foi, em grande parte, uma reformulação da marca, visto que a maioria dos combatentes do Africa Corps vinha do Grupo Wagner.
Nos termos do seu acordo com o Grupo Wagner, o Mali pagava à organização 10 milhões de dólares por mês, concedendo-lhe permissão para extrair ouro e outros recursos. Grande parte dessa receita fluía directamente para Moscovo através de meios ilícitos para financiar a invasão à Ucrânia.
Embora não esteja claro como o Mali pagará ao Africa Corps, existem alguns acordos económicos, como o do conglomerado russo Yadran Group, que detém uma participação minoritária numa nova refinaria de ouro em construção no país.
A Rússia construiu uma relação semelhante com a junta que governa o Burquina Faso, fornecendo assistência militar em troca de concessões de mineração.
No Níger, a Rússia está a trabalhar para assumir o controlo da mineração de urânio, enquanto envia as tropas do Africa Corps como instrutores militares. A empresa estatal russa de energia atómica Rosatom assinou acordos com pelo menos 20 países africanos que os tornarão dependentes da tecnologia russa no futuro, segundo analistas.
Após quase uma década na RCA, os mercenários do Grupo Wagner tornaram-se profundamente integrados no governo, desempenhando todas as funções, desde a segurança presidencial até à fiscalização aduaneira. Eles juntaram-se aos soldados da RCA na luta contra grupos rebeldes e são pagos pela sua presença através da mineração de diamantes e outros minerais. Eles até administram uma cervejaria e uma estação de rádio pró-Rússia na capital, Bangui.
“O regime de Vladimir Putin alcançou um nível de influência sem precedentes nos assuntos do país,” Alvaro Piaggio e Mohamed Keita escreveram para a Human Rights Foundation. “Mas as actividades russas no país exacerbam a ilegalidade, a corrupção, a violência e as violações de direitos humanos de longa data, com total impunidade.”
Além de exigir que a RCA passe para o Africa Corps, as autoridades russas também exigem pagamentos em dinheiro para apoiar a operação, pagamentos que podem chegar a milhões de dólares por ano.
As autoridades centro-africanas disseram aos russos que não têm esse dinheiro e querem continuar a pagar através da mineração de ouro, urânio e ferro, de acordo com a The Associated Press.
As operações da Rússia em países como Burquina Faso, RCA, Mali e Níger representam uma escalada dos planos do presidente russo, Vladimir Putin, para o continente, de acordo com o analista Solomon Ekanem.
“O efeito Putin, portanto, tem menos a ver com recuo e mais com recalibração: apertar as rédeas, institucionalizar o poder e incorporar influência de longo prazo na segurança e na política de recursos africanos,” Ekanem recentemente escreveu para a revista Business Insider.