O ano de 2021 foi marcado por quatro golpes de Estado em África. Tratou-se do auge de uma onda de governantes militares que tomaram o poder.
Após 10 anos de relativa estabilidade no continente, ocorreram 10 golpes de Estado entre 2019 e 2023 em Burquina Faso, Chade, Gabão, Guiné, Mali (duas vezes), Níger e Sudão (duas vezes).
O Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, chamou-lhe “uma epidemia” e falou de um “ambiente em que alguns líderes militares sentem que têm total impunidade” e “podem fazer o que querem porque nada lhes acontecerá.”
Salah Ben Hammou, investigador pós-doutorado associado da Universidade Rice, estuda e escreve sobre golpes militares há quase uma década, com especial enfoque na recente onda de golpes em África. As suas análises levaram-no a concluir que os golpes não são eventos isolados. Podem espalhar-se além-fronteiras ou a epidemia pode ser atenuada por uma resposta rápida das comunidades internacionais e regionais.
“Os líderes golpistas não estão apenas a tomar o poder, estão a aprender uns com os outros como consolidar a autoridade, contornar a pressão internacional e criar narrativas que legitimam o seu governo,” escreveu num artigo publicado a 6 de Julho no site The Conversation Africa.
Desde 1950, houve 492 tentativas ou golpes bem-sucedidos em todo o mundo. África sofreu 220 — de longe a região mais afectada —, com 109 golpes bem-sucedidos. Dos 54 países do continente, 45 tiveram pelo menos uma tentativa de golpe desde 1950, de acordo com dados colectados pelos pesquisadores Jonathan Powell e Clayton Thyne.
No Sahel, as juntas de Burquina Faso, Mali e Níger abandonaram a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) em meio a questionamentos e escrutínio sobre as respostas do bloco regional a cada tomada militar do poder. O presidente da Comissão da CEDEAO, Omar Alieu Touray, listou a “mudança inconstitucional de governo” entre as principais preocupações na África Ocidental.
“Estamos a enfrentar os maiores desafios que temos hoje,” lamentou a 28 de Maio, em Lagos, na Nigéria, durante um evento para marcar os 50 anos da formação do bloco.
Hammou, que estudou com Powell, ofereceu algumas ideias sobre o que os golpes em África, particularmente no Sahel, têm em comum. Ele espera que as lições aprendidas ajudem a melhorar as respostas internacionais e regionais.
Contágio: Para os líderes militares em países instáveis, a forma como um golpe pode levar a outro não é uma coincidência.
“Os potenciais líderes golpistas observam atentamente, não apenas para ver se um golpe é bem-sucedido, mas também que tipos de desafios surgem à medida que o evento se desenrola,” disse Hammou. “Quando os golpes fracassam e os conspiradores enfrentam consequências severas, é menos provável que outros sigam o exemplo.”
Da mesma forma, se um golpe é bem-sucedido, isso pode encorajar oficiais de países vizinhos a seguirem o mesmo roteiro.
Apoio aos civis: A popularidade costuma acompanhar os líderes das juntas militares, ajudando-os a consolidar o poder e a fortalecer os seus regimes contra a oposição local, as sanções e a pressão regional.
“Isso sinaliza aos potenciais conspiradores que o regime militar pode ganhar legitimidade e apoio público,” disse Hammou.
Enraizamento: O plano comum evoluiu recentemente para que os líderes das juntas na África mantenham o poder, em vez de se afastar e influenciar a formação do próximo governo.
Eleições e mudanças constitucionais têm sido usadas em vários países para renomear regimes militares como autoridades de transição, embora haja poucos limites ao seu poder ou aos seus mandatos. Entretanto, o papel das forças armadas continua a ser central para o governo.
Resposta: Os Estados vizinhos e as comunidades económicas regionais do continente desempenham um papel fundamental, juntamente com a comunidade internacional. Hammou acredita que é importante que os blocos regionais sejam consistentes quando se trata de responder com sanções económicas, pressão política ou mesmo intervenção militar.
“Quando essas respostas são fracas, tardias ou inconsistentes — como a ausência de sanções significativas, suspensões simbólicas de ajuda ou suspensões simbólicas de órgãos regionais — elas podem enviar a mensagem de que a tomada ilegal do poder tem poucas consequências legítimas,” alertou.
Hammou disse que, embora a primeira fase da onda de golpes em África tenha chamado a atenção e causado preocupação em todo o mundo, a fase actual é mais perigosa.
“É esta segunda fase mais silenciosa — o lento enraizamento dos regimes militares — que determinará se estes regimes se tornarão permanentes,” escreveu num artigo publicado a 9 de Julho na revista Foreign Policy. “Travar a propagação depende agora não só de impedir o próximo golpe, mas também de minar o manual que mantém os líderes golpistas no poder muito depois de as manchetes desaparecerem.”