A organização mercenária russa Grupo Wagner está a ser substituída no Sahel pelo Africa Corps, controlado pelo Estado. No entanto, parece improvável que a mudança altere os métodos brutais dos mercenários russos na região assolada pelo terrorismo, segundo especialistas.
A mudança pode piorar ainda mais as condições em Burquina Faso, Mali e Níger, os analistas argumentam num artigo publicado pelo Centro de Combate ao Terrorismo de West Point.
Desde que o Grupo Wagner chegou ao Mali em 2021 e o Africa Corps chegou a Burquina Faso e Níger em 2024, pouco aconteceu para conter a violência que tornou a região líder global em terrorismo.
“A estratégia da Rússia para o Sahel, e possivelmente a sua estratégia para a África em geral, é promover mais perturbações e caos, e não menos,” os analistas Christopher Faulkner, Marcel Plichta e Raphael Parens escreveram no final de 2024 para o centro.
A brutalidade dos mercenários russos contra civis reduziu a estabilidade dos três países, na medida em que os mercenários executam pessoas e cometem violência indiscriminada.
“Cada vez mais, os civis têm mais medo de ser mortos por mercenários russos do que por grupos jihadistas,” escreveu o analista Ryan Bauer, da Rand Corp.
Ao saírem do Mali em Junho, os líderes do Grupo Wagner reivindicaram a vitória após restaurar o controlo do governo sobre as capitais regionais e matar líderes insurgentes — alegações que estão “em total contradição com a realidade prevalecente,” visto que a violência no país continua a aumentar, o analista Samir Bhattacharya escreveu recentemente para o Hindustan Times.
Nas semanas que antecederam a partida do Grupo Wagner, terroristas mataram 200 soldados em Burquina Faso e 100 no Níger, observou Bhattacharya.
“Esses reveses sucessivos ressaltaram a eficácia limitada do Grupo Wagner em operações de contra-insurgência e destacaram ainda mais o cenário de segurança precário e em deterioração em toda a região do Sahel,” acrescentou Bhattacharya.
Num comunicado, os líderes do Africa Corps afirmaram que continuariam a apoiar o governo do Mali a um “nível mais fundamental.” Os observadores afirmam que o Africa Corps provavelmente se concentrará mais em proteger as juntas governantes contra golpes do que em ajudar as tropas locais a combater os insurgentes.
As forças do Africa Corps ajudaram as tropas burquinabês a repelir uma tentativa de golpe contra o líder da junta, o Capitão Ibrahim Traoré, em 2024. De acordo com analistas, estão igualmente a servir de protecção ao líder da junta do Níger, o General Abdourahamane Tchiani, sem fazer muito para conter a onda de violência fora da capital.
“Apesar de terem chegado a Ouagadougou e Niamey em Janeiro e Abril de 2024, respectivamente, há muito poucas evidências que sugiram que o Africa Corps tenha obtido quaisquer ganhos tangíveis em termos de segurança, a menos que se avalie a sua presença como um impedimento eficaz a quaisquer potenciais golpistas de desafiar os regimes de Traoré ou Tchiani,” Faulkner, Plichta e Parens escreveram para o centro de West Point.
Para complicar ainda mais a situação, o Africa Corps falhou repetidamente em cumprir as metas de recrutamento do governo. A exigência original de Moscovo de recrutar 40.000 combatentes foi reduzida para 20.000 — um número que também continua fora do alcance.
Entretanto, o Africa Corps absorveu alguns antigos mercenários do Grupo Wagner, perpetuando a violência associada a essa organização. Os 2.000 mercenários russos no Mali, por exemplo, são uma mistura de antigos combatentes do Grupo Wagner e novos recrutas do Africa Corps.
A Rússia utiliza o porto de Tobruk, na Líbia, para transportar mais de 6.000 toneladas métricas de armas e outros materiais para o Norte de África e o Sahel. Apesar das suas armas e mão-de-obra, o Grupo Wagner/Africa Corps sofreu duas derrotas de grande visibilidade às mãos de insurgentes no Mali em 2024.
Um ataque conjunto do então Grupo Wagner e do Exército Maliano (FAMa) à comunidade Tuaregue de Tinzaouaten, em Julho de 2024, transformou-se numa derrota para os atacantes, que foram emboscados por insurgentes do Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM) enquanto recuavam. Ao todo, 46 mercenários e 24 soldados malianos morreram nos ataques.
Um ataque planeado para Outubro foi rapidamente convertido numa missão para recuperar os corpos dos mortos em Julho, quando os mercenários perceberam que os insurgentes estavam a seguir os seus passos, de acordo com Faulkner, Plichta e Parens.
“É fácil relacionar os recentes fracassos do Grupo Wagner no Mali com fracassos semelhantes em Moçambique e na Síria, onde derrotas e baixas no campo de batalha forçaram o Grupo Wagner a retirar-se dessas missões,” escreveram os analistas de West Point.
Até ao momento, não há indícios de que o Africa Corps planeie encerrar as suas operações no Sahel. O que parece mais provável, segundo os analistas, é a continuação da estratégia russa de espalhar o caos e a violência sob o pretexto de combate ao terrorismo.
“Em vez de construir a capacidade de defesa dos países onde operam, os mercenários russos criam um clima de insegurança e, em seguida, posicionam-se como indispensáveis,” escreveu Bauer, da Rand Corp.