As Forças de Apoio Rápido (RSF) paramilitares do Sudão assumiram recentemente o controlo do canto noroeste do país, que faz fronteira com o Egipto e a Líbia. A medida pode permitir maior acesso a armas provenientes da Líbia, aumentando o potencial de expansão da guerra do Sudão para países vizinhos.
Os combates deslocaram cerca de 4.000 pessoas, algumas das quais fugiram para o Egipto em busca de abrigo e depois foram forçadas a procurar refúgio na Líbia.
A região estratégica de El Uweinat circunda Jebel Uweinat, uma enorme formação rochosa que há séculos é um importante marco ao longo da rota comercial que liga Kufra, na Líbia, e Dongola, no Sudão. Estudos indicam que Jebel Uweinat contém a segunda maior reserva de ouro da África. As RSF extrai o ouro de Darfur para financiar a sua luta contra as Forças Armadas do Sudão (SAF).
Ao expulsar o pequeno número de tropas das SAF que patrulhavam a área pouco povoada, as RSF abriram uma rota para se conectar com as tropas líbias leais ao Marechal Khalifa Haftar e seus aliados com os mercenários russos do Africa Corps.
A manobra também dá às RSF a oportunidade de atacar áreas do Estado do Norte e do Estado do Nilo, que continuam firmemente nas mãos das SAF desde o início da guerra, há mais de dois anos.
“Esta última conquista pode marcar o início de uma ofensiva das RSF em regiões que até agora viram combates limitados, forçando o exército a redireccionar recursos para áreas de onde provêm muitos oficiais superiores,” o analista Shewit Woldemichael escreveu recentemente para o International Crisis Group.
No início do conflito no Sudão, em 2023, as RSF receberam mísseis terra-ar e outras armas através da região do Triângulo Egipto-Líbia-Sudão, antes de as SAF exercerem controlo sobre essa secção do Estado do Norte.
Depois disso, de acordo com investigadores internacionais, as RSF receberam suprimentos contrabandeados para a região de Darfur. No entanto, a pressão internacional sobre o governo do Chade tornou mais difícil o contrabando de material por essa rota.
Os ataques das SAF ao aeroporto controlado pelas RSF em Nyala, no Darfur do Sul, também dificultam os esforços de reabastecimento das RSF. Um desses ataques destruiu um avião de carga dos Emirados Árabes Unidos (EAU) e matou dezenas de combatentes das RSF e vários cidadãos dos EAU.
Após o ataque das SAF a Nyala, o investigador de inteligência de fontes abertas, Rich Tedd, publicou imagens de satélite no X que mostravam um aumento do tráfego aéreo proveniente dos EAU na região de Kufra, no sudeste da Líbia, tornando crucial para as RSF controlar o triângulo e a sua fronteira porosa, escreveu Woldemichael.
Os líderes das SAF acusaram as forças de Haftar de invadir o Sudão em apoio às RSF para expulsar as forças das SAF do triângulo do noroeste. Haftar nega a acusação.
De acordo com as autoridades sudanesas, milícias aliadas às SAF combateram uma patrulha do Batalhão Subul al-Salam de Haftar que entrou no país em apoio aos combatentes das RSF. Alguns combatentes das SAF morreram quando reforços líbios chegaram de Kufra.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros do Sudão considerou o ataque uma “escalada perigosa” e acusou os EAU de patrocinar o ataque. Os EAU fornecem apoio financeiro às RSF e ao Exército Nacional Líbio de Haftar.
O governo líbio internacionalmente reconhecido em Trípoli denunciou a incursão relatada no Sudão e os esforços para envolver a Líbia em acções que destabilizariam ainda mais a região. O governo ameaçou tomar medidas legais contra os líbios que participaram nas operações militares no Sudão.
Autoridades egípcias, que se aliaram ao governo liderado pelas SAF, desconsideraram a tomada da região do triângulo pelas RSF como uma manobra de relações públicas destinada a desviar a atenção das suas perdas em Cartum e no leste do Sudão.
No entanto, o Major-General Mohamed Salah Abu Hemila, membro do Comité de Defesa e Segurança Nacional do parlamento egípcio, disse que a situação está a ser acompanhada com “grande atenção.”
Woldemichael observou que: “Se as forças alinhadas com Haftar continuarem a apoiar as RSF, os apoiantes do Exército [sudanês] também poderão ser levados a intensificar a sua acção.”
Os líderes egípcios enfrentam um dilema à medida que as RSF expandem as suas operações ao longo da fronteira sul. O Egipto apoia Haftar na Líbia, mas também é um aliado fundamental das SAF. A Turquia, que apoia o governo líbio em Trípoli e as SAF, também pode aumentar o seu apoio ao Exército, de acordo com Woldemichael.
“Com as potências estrangeiras a envolverem-se cada vez mais no Sudão, num complexo emaranhado de alianças, os riscos de que as ondas de choque da guerra se propaguem pela região do Mar Vermelho estão a aumentar,” escreveu.