A guerra civil no Sudão começou como uma luta entre duas facções rivais, mas a batalha está a tornar-se mais complexa à medida que grupos civis armados, combatentes rebeldes e milícias tribais e regionais se juntam à luta renhida e intermitente.
As Forças de Apoio Rápido (RSF), paramilitares, controlaram a capital, Cartum, durante dois anos, até Março, quando as Forças Armadas do Sudão (SAF), lideradas pelo General Abdel Fattah al-Burhan, a reconquistaram com a ajuda de civis armados.
“Cartum não foi apenas uma derrota no campo de batalha para as RSF,” Mohamed Saad, investigador da Universidade Charles, na República Checa, escreveu para o The Conversation. “Foi um ponto de viragem na forma como a guerra é travada — já não é uma luta militar, mas uma batalha que envolve civis armados em todo o Sudão.”
Segundo Saad, Mohamed Hamdan “Hemedti” Dagalo construiu as RSF com base na lealdade tribal, mas muitas facções sentiram-se menosprezadas por Hemedti, e a coesão das RSF foi afectada. As RSF foram acusadas de cometer assassinatos em massa, violência sexual e saques. As forças nacionais rivais também são acusadas de cometer atrocidades contra civis.
“As divisões internas dentro das RSF [também] tiveram um papel importante nas suas recentes perdas,” escreveu Saad. “Alguns ex-combatentes das RSF formaram as suas próprias milícias.”
Analistas: Actores Adicionais Prolongarão a Guerra
Tanto as SAF como as RSF têm feito esforços a nível nacional para recrutar novas tropas, e várias comunidades de todo o país escolhem lados e comprometem-se a enviar combatentes para a batalha. Analistas afirmam que actores adicionais apenas prolongarão a guerra.
Em áreas urbanas do centro do Sudão, Cartum, Darfur do Norte, Cordofão do Norte, Cordofão do Sul e Cordofão Ocidental, surgiram unidades de defesa de bairro. Formadas para proteger os residentes contra as RSF, elas expandiram as suas funções e operam cada vez mais fora da supervisão das SAF, de acordo com Saad. Em Darfur e Cordofão, onde rivalidades étnicas e políticas arraigadas se entrelaçaram com a guerra actual, milícias tribais e regionais também se tornaram mais proeminentes. Algumas delas estão alinhadas com as SAF, enquanto outras perseguem os seus próprios objectivos.
O Movimento Popular de Libertação do Sudão-Norte, um grupo ligado a etnias, expandiu as suas operações em Cordofão e no Estado do Nilo Azul. O grupo aliou-se às RSF para promover a sua própria agenda, que inclui “garantir maior autonomia para estas regiões e promover um quadro político secular que desafie a governação de tendência islâmica de Cartum,” escreveu Saad. Outras milícias étnicas operam no leste do Sudão.
Milícias ligadas ao islamismo, particularmente a Brigada El Baraa Ibn Malik, agora uma importante aliada das SAF, também surgiram. A brigada recebeu o nome de um famoso combatente muçulmano durante as primeiras conquistas muçulmanas. Os apoiantes das RSF queixam-se nas redes sociais de que estes combatentes são remanescentes do regime de Omar al-Bashir, derrubado num golpe de Estado em 2019.
Outro grupo islâmico, as Facções da Resistência Popular Sudanesa (PRF), apoia as SAF. Em 2023, divulgou um vídeo no qual homens armados e mascarados prometem “libertar Cartum e limpá-la da imundície destes mercenários [das RSF].” O nome do grupo ecoa o das comissões de resistência que desempenharam um papel importante na destituição de al-Bashir. Ao contrário desses comités, as PRF “defendem a violência em vez da não violência e surgiram não das bases, mas das sombras,” segundo o Sudan War Monitor.
Se a ascensão dos grupos armados não for travada, Saad afirma que eles podem evoluir e estabelecer territórios onde comandantes locais exercerão poder sem controlo. Isso comprometeria a possibilidade de estabelecer uma governação central no Sudão.
“Estes grupos não partilham um único objectivo,” escreveu. “Alguns lutam por autodefesa, outros por poder político. Alguns por receitas e riqueza. Outros buscam o controlo étnico — a população do Sudão conta com 56 grupos étnicos e 595 subgrupos étnicos. É isso que torna a guerra no Sudão ainda mais perigosa: a fragmentação está a criar várias miniguerras dentro do conflito maior.”
‘Uma Guerra Contra o seu Futuro’
As tentativas de cessar-fogo através de negociações em Jeddah, Adis Abeba e Genebra não conseguiram pôr fim à violência, dado que cada lado procura ganhar e manter o ímpeto. Após recentes reveses militares, as RSF recuperaram no final de Maio o controlo de El Dabibat, uma passagem estratégica entre Cordofão e Darfur, após lançar ataques com drones e assaltos terrestres contra as SAF e combatentes aliados, informou a rádio Dabanga Sudan. As SAF tinham reivindicado o controlo da cidade dias antes.
Abdul Mohammed, ex-funcionário da União Africana e das Nações Unidas, exortou recentemente o povo sudanês a assumir a responsabilidade pelo caminho do seu país rumo à paz, argumentando que a mediação internacional por si só não é capaz de pôr fim à guerra. Escrevendo no Sudan Transparency and Policy Tracker, Mohammed apelou a um movimento popular impulsionado pelo povo, em vez de pelos políticos.
“Esta guerra não é apenas um confronto militar,” escreveu Mohammed. “É uma guerra contra a vossa dignidade, a vossa identidade, as vossas comunidades e o vosso futuro.”