O líder do Burquina Faso apareceu num videoclipe com a superestrela mundial Beyoncé.
Ou será que apareceu?
Na verdade, o vídeo, que incluía a letra da música “Deus proteja Ibrahim Traoré na batalha pelo caminho do povo, quebrando as correntes do domínio do império,” é apenas uma das centenas de falsificações que inundam as redes sociais em toda a região, de acordo com a BBC.
O alcance destes vídeos, conhecidos como deepfakes, abrange todo o continente, do Gana ao Quénia. Eles promovem Traoré, um capitão da junta militar que assumiu o controlo do país num golpe em 2022, como um modelo de liderança e um herói para os pan-africanistas, a BBC noticiou no dia 15 de Maio.
Deepfakes são uma forma de media digital criada por ferramentas de inteligência artificial que podem ser usadas para manipular fotos, áudio e vídeo. O perigo desta tecnologia reside na sua capacidade de criar conteúdos que pretendem mostrar uma figura política ou conhecida a dizer ou a fazer algo que normalmente não diria ou faria. Certas aplicações de software gratuitas e descarregáveis podem torná-los suficientemente fáceis de criar para quase qualquer pessoa.
Não está claro quem produziu o vídeo deepfake de Traoré e Beyoncé. O que está claro, no entanto, é que as operações de informação russas e influenciadores locais simpáticos à mensagem russa estão a proliferar no Burquina Faso e além.
De acordo com um relatório de 2024 do Centro de Estudos Estratégicos de África, Burquina Faso foi palco de pelo menos oito esforços ligados ao Kremlin para influenciar a população civil. A região da África Ocidental é responsável por quase 40% dessas campanhas no continente, e muitas delas estão de alguma forma ligadas à Rússia. Algumas dessas iniciativas, que incluem operações nos vizinhos Mali e Níger, podem estar ligadas ao Grupo Wagner da Rússia, agora conhecido como Africa Corps.
O meio de comunicação estatal russo Pravda amplificou uma notícia falsa gerada pela IA que alegava que um trabalhador de uma organização não-governamental francesa tinha sido preso por espionagem no Burquina Faso, de acordo com uma reportagem da Euronews de 19 de Maio. O vídeo que divulgou a notícia teve origem no YouTube e continha um aviso de que se tratava de uma “obra de ficção.” No entanto, o aviso desapareceu quando o vídeo se espalhou pelo Facebook, TikTok e X, obtendo milhões de visualizações.
Mais uma vez, o envolvimento directo da Rússia nesta e noutras notícias falsas que alegam espionagem por parte de trabalhadores humanitários é difícil de determinar. No entanto, “vários influenciadores africanos do TikTok que a Euroverify viu a propagar o material também promovem conteúdos antiocidentais e antiucranianos que se enquadram no manual do Kremlin,” informou a Euronews.
Não é segredo que a Rússia apoia abertamente os governos pós-golpe no Burquina Faso, Mali e Níger. A Rússia é o “maior patrocinador” destas operações de informação e notícias falsas no continente, de acordo com o Africa Center. Embora estas campanhas evitem sinais de envolvimento directo da Rússia, o Kremlin, muitas vezes, recorre a “influenciadores africanos, avatares digitais e à circulação de vídeos e fotografias falsos e fora de contexto,” afirmou o Africa Center.
“Estas mensagens são copiadas e coladas e amplificadas através de vários canais de comunicação social controlados pelo Estado russo, rádio e comunicações oficiais, criando câmaras de eco repetitivas” nas quais as narrativas prosperam, afirma o relatório do centro.
Até agora, as mensagens — independentemente da sua proveniência ou falta de veracidade — parecem estar a funcionar a favor de Traoré. O frenesim nas redes sociais ganhou força após um protesto a 30 de Abril na capital burquinabê, Ouagadougou, quando dezenas de milhares de pessoas se reuniram para apoiar Traoré, de acordo com uma reportagem de 7 de Maio do The Africa Report. Outras manifestações de solidariedade ocorreram em Gana, Jamaica, Londres e Nigéria.
Imagens online geradas pela IA retratavam manifestações fictícias em Nairobi, no Quénia; Kampala, no Uganda; Harare, no Zimbabwe; e na Times Square, em Nova Iorque. “Faixas de áudio deepfake imitando as vozes de estrelas pop globais como Rihanna e Beyoncé cantando louvores a Traoré circularam amplamente, confundindo a linha entre propaganda digital e mitificação impulsionada por fãs,” de acordo com o The Africa Report.
“É populismo algorítmico; emocional, visual, antiocidental e hipercompartilhável,” o investigador burquinabê Alidou Werem disse ao The Africa Report. “É uma questão de vibração e visão, e não de factos ou políticas. As plataformas das redes sociais recompensam o espectáculo, e a imagem de Traoré encaixa-se perfeitamente nesse ecossistema.”