Grupos terroristas como o Boko Haram e o al-Shabaab têm, há muito tempo, uma filosofia simples para controlar as pessoas que não conseguem conquistar: tirar-lhes a comida.
Durante anos, os seus ataques contra mercados, fontes de abastecimento e agricultores reduziram a disponibilidade de alimentos. Contaminaram e destruíram terras agrícolas de forma a torná-las inutilizáveis durante anos. Num estudo de 2025, os investigadores Simone Papale e Emanuele Castelli citaram um agricultor da Somália que afirmou: “onde quer que al-Shabaab vá, seca segue.”
A guerra e a violência terrorista sempre estiveram ligadas a problemas de segurança alimentar, inanição e fome. O terrorismo pode causar perturbações alimentares, minando os sistemas de produção e as rotas de abastecimento. Os terroristas tiram a comida das suas vítimas e, muitas vezes, usam-na como resgate, devolvendo-a para forçá-las à submissão.
“Isto tem implicações importantes,” Papale e Castelli escreveram para o The Conversation em Maio. “O uso de alimentos como arma agrava as condições humanitárias. Provoca a deslocação de pessoas em contextos vulneráveis. Como resultado, desencadeia mecanismos perigosos de instabilidade que podem até minar os próprios militantes, reduzindo os seus recursos e capacidades operacionais.”
O Boko Haram e o al-Shabaab desafiam as forças de segurança africanas há anos, tentando derrubar governos e estabelecer ditaduras. Eles têm-se concentrado em regiões onde a segurança alimentar é mínima, como o Estado de Borno, na Nigéria, e o sul da Somália. Muitas vezes, os terroristas invadem comunidades que já tem problemas com o abastecimento alimentar e agravam a situação, queimando colheitas, proibindo a agricultura e a pesca e envenenando as fontes de água. Na Somália, o al-Shabaab interrompeu rotas comerciais e destruiu importações de alimentos, exacerbando a fome.
Os terroristas têm sido particularmente destrutivos no Sahel, na Nigéria e na Somália, mas outras partes do continente, como Moçambique, também têm sofrido. O grupo afiliado ao Estado Islâmico conhecido como ISIS-Moçambique domina a província de Cabo Delgado, roubando a região da pesca e da agricultura tradicionais. No início de 2025, quase 6.000 pessoas tinham sido mortas e até metade dos 2,3 milhões de habitantes da província tinham perdido as suas casas. Encontrar comida e abrigo tornou-se uma luta diária.
Os investigadores afirmam que as forças armadas podem reduzir o acesso aos alimentos para atingir objectivos estratégicos e tácticos, uma prática tão antiga quanto a própria guerra. Isso pode quebrar a resistência das comunidades locais, forçando-as a deixar de apoiar o governo. Controlar o acesso pode reforçar a credibilidade política e militar dos terroristas. À medida que as condições pioram, os terroristas devolvem os alimentos roubados como presente, usando-os como resgate e vantagem política. Isso pode tornar-se uma espécie de esquema Ponzi da fome, em que os terroristas roubam alimentos de uma região e os distribuem numa outra. Segundo os investigadores, o Boko Haram tem tido dificuldades em distribuir os alimentos confiscados em diferentes regiões, mantendo a sua influência global.
Papale e Castelli descrevem esta prática como “uma arma de dois gumes,” visto que permite aos terroristas adquirir poder e credibilidade e, ao mesmo tempo, “criar condições que minam o seu apelo e as suas capacidades operacionais a longo prazo.” Com o tempo, os ataques dos terroristas aos recursos alimentares e às infra-estruturas destroem as rotas de abastecimento. A destruição de colheitas e pastagens torna-se desastrosa para todos.
À medida que as condições deterioram nas regiões da África dominadas por terroristas, os próprios insurgentes começam a sofrer. Com o esgotamento dos produtos alimentares, eles perdem a capacidade de manipular as suas vítimas. O recrutamento de novos membros torna-se mais difícil. Com o tempo, a resistência cresce e as milícias mobilizam-se contra eles.
Como resultado, as condições humanitárias pioram, as economias locais enfraquecem e os terroristas perdem a vontade, relata a revista ambiental Down to Earth. Os terroristas “tornam-se vítimas das emergências que ajudaram a gerar,” observou a revista. “Eles têm tido cada vez mais dificuldades para fornecer alimentos às suas tropas e apoiantes. Consequentemente, têm testemunhado um número crescente de deserções motivadas por condições insustentáveis.”
No seu estudo, Papale e Castelli afirmam que a utilização de alimentos como arma é uma estratégia perdedora para os terroristas.
“Embora as tácticas centradas nos alimentos possam ajudar os grupos terroristas a alcançar os seus objectivos operacionais, elas podem sair pela culatra a longo prazo, gerando perturbações que minam o apelo e as capacidades dos militantes,” relataram os investigadores. “A deterioração da segurança alimentar causada pelas acções do Boko Haram e do al-Shabaab teve repercussões consideráveis para ambas as organizações durante a última década, diminuindo os recursos disponíveis para sustentar a contenda e aumentando as tensões com a população. Os insurgentes registaram uma perda progressiva de apoio, enfrentando cada vez mais deserções e uma oposição crescente das comunidades locais.”