A Rússia tem utilizado a sua chamada “frota fantasma” de navios comerciais envelhecidos para escapar às sanções sobre as exportações de petróleo, mas os peritos dizem que os navios têm outro objectivo: traficar armas para os aliados russos no leste da Líbia.
Um relatório recente da Interpol documenta o envio de armas e equipamento de portos russos no Mar Negro para Tobruk, no leste da Líbia, para abastecer o Exército Nacional Líbio do Marechal Khalifa Haftar.
Mercenários do Africa Corps da Rússia, antigo Grupo Wagner, tomaram conta de uma base militar líbia no leste do país. A partir daí, também enviaram armas para as Forças de Apoio Rápido que combatem as tropas governamentais na actual guerra civil do Sudão. A Rússia também está a utilizar o porto de Tobruk para apoiar juntas militares do Burquina Faso, Mali e Níger, que contrataram mercenários russos para combater grupos insurgentes em todo o Sahel.
Entre os navios que a Rússia utilizou para transportar armas está o Barbaros, um cargueiro com bandeira dos Camarões que foi visto no início de 2024 a transportar veículos militares russos quando atravessava o Estreito de Bósforo, na Turquia.
As fotografias do Barbaros publicadas no X por Yörük Işık, que dirige uma empresa de consultoria que analisa a actividade marítima no Bósforo, levaram a uma investigação da Interpol. Isik fotografa todos os navios que transitam pelo Bósforo perto da sua casa.
A Interpol revelou que o Barbaros tinha ocultado a sua localização alterando o seu sistema de identificação automática, que os navios utilizam para se localizarem uns aos outros e evitarem colisões. Manipular ou desligar o sistema é uma táctica frequentemente utilizada para esconder navios envolvidos em actividades ilícitas.
A Interpol constatou igualmente que o Barbaros mudou de nome três vezes e se registou sob 10 bandeiras nacionais diferentes nos últimos 12 anos. Enquanto o Barbaros arvorava o pavilhão dos Camarões, outros navios da frota fantasma russa arvoraram o pavilhão do Gabão e da Libéria.
As tácticas do Barbaros estão em consonância com as acções levadas a cabo por outros membros da frota fantasma russa, um conjunto de mais de 1.000 navios envelhecidos e mal segurados que a Rússia utilizou para transportar o seu petróleo e outros materiais, violando as sanções das Nações Unidas.
Desde a invasão russa à Ucrânia, a frota fantasma global “cresceu como um tumor,” a investigadora Elisabeth Braw disse recentemente ao Kyiv Independent.
“Como estes navios não estão a fazer nada de bom, muitas vezes disfarçam o seu paradeiro,” acrescentou Braw. “Manipulam ou desligam os seus sistemas de identificação automática.”
Investigadores internacionais seguiram navios da frota fantasma russa que tomaram acções semelhantes enquanto se deslocavam entre a Síria, onde a Rússia tem uma base naval, e a Líbia. Num caso, um navio que se acreditava estar a transportar armas da Síria para a Líbia alterou o seu sistema de identificação para fazer parecer que o navio estava ao largo da costa de Beirute. Em vez disso, o navio transmitiu acidentalmente uma localização no interior do aeroporto de Beirute.
A Interpol informou que a Rússia está a usar os seus carregamentos ilícitos de armas não só para alimentar o conflito na Líbia, mas também para expandir a sua influência numa região insegura e cheia de recursos importantes. Geralmente, os mercenários russos são pagos pelos seus serviços em África através do acesso a recursos naturais como o ouro e o diamante.
A decisão da Rússia de operar uma frota fantasma após a invasão à Ucrânia aumentou consideravelmente o número de embarcações perigosas no mar, de algumas centenas operadas por Irão, Coreia do Norte e Venezuela, para vários milhares. Por serem velhos e mal conservados, os navios representam um perigo para outros navios e para o ambiente das águas territoriais dos países onde operam.
“De facto, a frota sombra parece ter como objectivo não só transportar mercadorias de e para a Rússia, mas também causar danos a outros países,” Braw escreveu para o Atlantic Council. “Os países que optaram por fazer comércio com a Rússia através de navios-sombra fazem-no claramente sabendo que esses navios podem causar incidentes nas suas águas, mas calculam evidentemente que os benefícios do comércio com a Rússia para quebrar as sanções ultrapassam os custos de potenciais incidentes com navios-sombra.”