Para a maioria das pessoas na volátil região de Tigré, a guerra de dois anos travada contra as forças federais etíopes com o apoio do exército da Eritreia não terminou realmente com o acordo de paz de Pretória em Novembro de 2022.
“O que restou da estrutura de segurança do Acordo de Pretória está entrando em colapso rapidamente, com antigos camaradas de armas agora em confronto, civis novamente fugindo com medo e a autoridade de Addis Abeba na região se tornando cada vez mais ténue,” o colunista Hafed Al-Ghwell escreveu num artigo de opinião de 29 de Março para o jornal diário Arab News.
A instabilidade leva os observadores a recear que o vizinho do norte da Etiópia aumente o seu envolvimento militar.
“A vizinha Eritreia está a observar estes desenvolvimentos com crescente alarme — e, naturalmente, com algum sentido de oportunismo.”
A não aplicação da maior parte das disposições do cessar-fogo provocou uma cisão na Frente de Libertação do Povo de Tigré (TPLF). Em Março, uma facção alinhada com o antigo presidente regional Debretsion Gebremichael apoderou-se de vários gabinetes do governo provincial, do gabinete do presidente do município e da principal estação de rádio da capital de Tigré, Mekelle.
Getachew Reda, líder da administração interina da região, fugiu para Adis Abeba e classificou as acções do grupo rival como um “golpe aberto.” Num comunicado de 13 de Março também acusou Debretsion de conluio com a Eritreia.
“Temos razões para acreditar que estão envolvidos actores externos,” disse ele, acusando a Eritreia de estar entre aqueles que pensam que “beneficiariam com a turbulência em Tigré.”
O Primeiro-Ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, confirmou a demissão de Getachew a 26 de Março e pediu aos tigrenhos que nomeassem um novo presidente interino.
O General Tsadkan Gebretensae, vice-presidente da Administração Provisória de Tigré que foi anteriormente chefe do Estado-Maior da Força de Defesa Nacional da Etiópia (ENDF), atiçou ainda mais as chamas quando escreveu um comentário para o The Africa Report no dia 10 de Março:
“A qualquer momento pode rebentar uma guerra entre a Etiópia e a Eritreia. … Os preparativos estão na sua fase final. A natureza dos preparativos para a guerra é tal que, após uma certa fase do processo, torna-se muito difícil contê-la.”
A Guerra de Tigré matou cerca de 600.000 pessoas e deslocou milhões. A instabilidade contínua e o fracasso do Acordo de Pretória em resolver o território disputado entre Tigré e Amhara significam que cerca de 1 milhão de tigrenhos ainda vivem em campos de deslocados e refugiados.
O exército da Eritreia, acusado de cometer crimes de guerra contra a etnia Tigré durante a guerra, ainda detém algumas das cidades fronteiriças do distrito etíope de Irob, no nordeste de Tigré.
Em Fevereiro, o Governo convocou reservistas e emitiu directivas de mobilização militar para os cidadãos com menos de 60 anos. A organização Human Rights Concern Eritrea (HRCE) classificou este facto como recrutamento forçado pelo governo autoritário.
“Esta mobilização súbita e sem precedentes provocou ondas de choque na sociedade eritreia, visto que se presume que a guerra poderá ser com a vizinha Etiópia,” afirma o relatório da HRCE.
No início de Março, a Etiópia terá destacado forças federais e tanques ao longo da sua fronteira norte com a Eritreia. Os analistas acreditam que este reforço, juntamente com os esforços de fabrico de drones em grande escala, sugerem que a administração de Abiy se está a preparar para uma potencial escalada.
Um factor adicional de agravamento das tensões é o esforço da Etiópia para recuperar o acesso ao Mar Vermelho, que perdeu quando a Eritreia lutou pela independência e a conquistou em 1993. Abiy garantiu recentemente que não tem planos para invadir a Eritreia, mas em 2023 afirmou que o acesso ao mar é “uma questão existencial” para a nação sem litoral mais populosa do mundo.
“Ambos os países parecem estar em pé de guerra,” escreveu o Crisis Group num relatório de 27 de Março. “Diplomatas regionais que monitoram os rumores em Addis temem que a Etiópia possa fazer isso em breve, avançando e anexando o porto eritreu de Assab, deixando de lado as normas contra a redefinição de fronteiras pela força e empurrando o Corno para mais uma conflagração.”
Outro factor são as Forças de Defesa de Tigré, ainda uma força militar capaz com mais de 200.000 soldados. A divisão na liderança de Tigré aprofundou-se quando Getachew suspendeu e tentou remover três generais que ele suspeitava estarem alinhados com Debretsion.
Por enquanto, a luta pelo poder interno de Tigré continua de forma um tanto isolada. Mas Hafte Gebreselassie Gebrihet, investigador de pós-doutoramento na Escola de Governação Pública Nelson Mandela da Universidade da Cidade do Cabo, disse que, com as forças da Etiópia e da Eritreia em massa, o Corno de África tem de suster a respiração.
“Qualquer novo conflito seria devastador para todas as partes envolvidas, com os civis a suportar o peso do sofrimento,” escreveu num artigo de opinião de 16 de Março para o jornal sul-africano Daily Maverick. “Quanto mais estas tensões se agravarem, mais a região se aproxima de uma violência catastrófica que nenhum actor pode verdadeiramente controlar.”