À medida que os rebeldes do M23, apoiados pelo Ruanda, avançam, intensos combates têm deslocado centenas de milhares de pessoas nas províncias orientais da República Democrática do Congo, provocando receios de que os efeitos em cadeia nos países vizinhos possam causar uma guerra regional.
“Perto das linhas da frente, a violência sexual e as violações de direitos humanos continuam a ser galopantes, tal como o saque e a destruição de casas e empresas civis,” o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) disse num comunicado de 4 de Março.
Descrevendo a crise como uma das piores emergências humanitárias do mundo, Patrick Eba, director-adjunto da Divisão de Protecção Internacional do ACNUR, afirmou que cerca de 80.000 congoleses fugiram para os países vizinhos entre Janeiro e o início de Março, incluindo cerca de 61.000 no Burundi.
Mais de 1 milhão de refugiados congoleses estão espalhados por toda a África, principalmente nos países vizinhos. O Uganda acolhe mais de metade desse total. Antes da última ofensiva do M23, cerca de 6,7 milhões de pessoas estavam deslocadas internamente na RDC.
Para além do leste da RDC, a situação humanitária está a deteriorar-se no Burundi e no Uganda, que suportam um pesado fardo na prestação de cuidados aos refugiados. Os especialistas alertam para o facto de o aumento da tensão nos países vizinhos poder exacerbar a consternação geopolítica já existente devido à demonstração de força do Ruanda e ao desrespeito pela soberania territorial e mineral.
“Se a diplomacia falhar, os protagonistas armados podem decidir procurar soluções militares, um cenário que seria uma repetição da Segunda Guerra do Congo, que colocou o governo da RDC e os seus aliados da SADC [Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral] de um lado e o Uganda e o Ruanda do outro,” o Centro de Estudos Estratégicos de África escreveu numa avaliação de 26 de Fevereiro.
A violência, a fome e a doença grassaram durante a Segunda Guerra do Congo, de 1998 a 2003, quando vários países foram arrastados para o campo de batalha e milhões de pessoas morreram. Há quem receie que a história se possa repetir.
No dia 18 de Fevereiro, o Uganda enviou tropas para a cidade de Bunia, capital da província de Ituri, “para combater as milícias locais,” mas mais tarde esclareceu que a sua missão era combater o grupo terrorista alinhado com o Estado Islâmico conhecido como Forças Democráticas Aliadas. Os verdadeiros objectivos do exército ugandês (UPDF), no entanto, permanecem opacos.
“Houve massacres cometidos por alguns grupos de milícias e concordámos com os nossos homólogos congoleses em levar a cabo operações conjuntas para salvar vidas,” disse o porta-voz militar ugandês Felix Kulayigye depois de a UPDF ter “tomado o controlo” de Bunia.
No dia 2 de Março, Kulayigye disse à Agence France-Presse: “As nossas tropas entraram na cidade de Mahagi e estamos a controlar.”
A RDC também terá pedido apoio militar ao Chade na altura em que os combatentes do M23 tomaram Bukavu, a capital da província do Kivu do Sul. Os soldados do Burundi lutaram ao lado das forças armadas congolesas (FARDC) para tentar defender Kavumu e o seu aeroporto, que serve Bukavu. No entanto, o M23 encontrou pouca resistência, o que levou a uma retirada de cerca de 10.000 soldados burundeses no Kivu do Sul. Os soldados burundeses tinham sido destacados durante anos para o leste da RDC com o objectivo de neutralizar os rebeldes do Burundi. Mas, mais recentemente, ajudaram as FARDC na luta contra o M23.
“A proximidade dos combates a Bujumbura, do outro lado da fronteira com a RDC, corre o risco de levar a um confronto directo entre as tropas do Burundi e do Ruanda,” escreveu o Africa Center.
Entretanto, os horrores de uma guerra aberta têm-se abatido sobre a região.
O ACNUR “confirmou casos de execução sumária de crianças pelo M23 depois de terem entrado na cidade de Bukavu,” o chefe do ACNUR, Volker Turk, disse num comunicado de 18 de Fevereiro. “Também temos conhecimento de que as crianças estavam na posse de armas.”
Os dados recolhidos pelo UNICEF mostram que os ataques a escolas e hospitais se multiplicaram por 12, os mortos e feridos aumentaram sete vezes, os raptos aumentaram seis vezes e os casos de violência sexual aumentaram mais de duas vezes e meia.
O UNICEF manifestou-se alarmado com o aumento significativo de relatos de violações graves cometidas contra crianças em partes do leste da RDC, afirmando que o número de incidentes triplicou desde o final de Janeiro.
“Todos os sinais de alerta estão a piscar a vermelho,” disse Bruno Lemarquis, coordenador humanitário da ONU para a RDC. “Estamos numa encruzilhada. Sem uma maior mobilização internacional, as necessidades humanitárias irão disparar, a estabilidade regional ficará ainda mais comprometida e a nossa capacidade de resposta ficará gravemente comprometida.”