EQUIPA DA ADF
Enquanto a violência étnica continua a assolar a Etiópia, alguns acreditam que os líderes religiosos podem desempenhar um papel fundamental no processo de construção da paz.
Yirga Damtie, académico da Rede de Vozes do Sul para a Construção da Paz, que falou durante um debate organizado pelo Programa de África do Centro Internacional Woodrow Wilson para Académicos, diz que é altura de dar poder a estes líderes para pressionarem pela paz.
Nos últimos anos, as instituições religiosas prestaram ajuda humanitária, ofereceram apoio psicossocial e financeiro, ajudaram na prestação de serviços públicos e actuaram como mediadores entre civis e grupos armados em zonas de conflito onde o acesso do governo é limitado.
“A religião é considerada como o principal instrumento para a transformação de conflitos, para resolver os conflitos e para os transformar num contexto mais pacífico,” afirmou Yirga. “Em África, e também na Etiópia, os religiosos têm um papel importante, tanto na vida privada como na vida pública, e é importante ter isso em consideração. Sempre que houver uma iniciativa de construção da paz, é importante considerar a inclusão dos actores religiosos.”
Estima-se que 98% dos etíopes afirmam ter uma filiação religiosa. Cerca de 45% da população é cristã ortodoxa e 35% é muçulmana. A Igreja Ortodoxa Etíope é uma das maiores e mais antigas igrejas cristãs do mundo, de acordo com o Canopy Forum, uma publicação digital gerida pelo Centro para o Estudo do Direito e da Religião da Universidade de Emory.
Yirga, também doutorando no Instituto de Estudos para a Paz e a Segurança da Universidade de Adis Abeba, disse que é importante que os membros de diferentes religiões abracem o diálogo.
Terrence Lyons, professor de análise e resolução de conflitos na Universidade George Mason, referiu durante o debate no Wilson Center que os Serviços de Assistência Católica se associaram à Igreja Ortodoxa Etíope, à Igreja Católica Etíope e a várias outras religiões para criar a Parceria Conjunta de Assistência durante a fome na Etiópia na década de 1980.
“Esta foi uma das primeiras organizações não-estatais a envolver-se no combate à fome na década de 1980,” Terrence Lyons, professor de análise e resolução de conflitos na Universidade George Mason, disse num debate do Wilson Center.
Actualmente, no leste da República Democrática do Congo e na região dos Grandes Lagos, as igrejas católicas e protestantes uniram forças para lançar uma nova iniciativa de paz destinada a resolver os conflitos e as crises humanitárias que assolam a região há três décadas.
O “Pacto Social para a Paz e a Convivência na RDC e na Região dos Grandes Lagos” tem como objectivo mobilizar os cidadãos, as comunidades religiosas e os líderes políticos para acabar com a violência e promover a coexistência pacífica, informou o Vatican News.
Lyons afirmou que o papel dos líderes religiosos na construção da paz também foi considerado em Jos, na Nigéria, onde a crise de segurança é marcada por confrontos entre pastores e criadores.
“Há uma atenção especial no papel que [as instituições religiosas] podem desempenhar” na construção da paz, disse Lyons. “Por um lado, mobilizam muitas vezes as pessoas para se envolverem em conflitos, mas, ao mesmo tempo, podem ser um actor que promove a construção da paz e restabelece a ligação entre as comunidades.”
Afirmou que as instituições religiosas podem efectivamente promover a paz, porque dispõem de recursos e capacidades logísticas que outras organizações não têm. “As igrejas têm edifícios, as igrejas têm sistemas de comunicação, as igrejas têm redes de pessoas,” disse Lyons. “Dessa forma, para além do Estado, não há nenhuma outra organização que o possa fazer.”
Yirga disse que as instituições religiosas africanas também podem ajudar a enquadrar a mentalidade das pessoas, porque fazem parte do quotidiano das famílias há séculos e são vistas como legítimas.
“Quando a guerra acontece, [as pessoas] não têm outra opção senão ir à igreja, onde podem obter algum tipo de alívio,” disse Yirga. “As igrejas estão profundamente presentes na sociedade. Quaisquer assuntos que as pessoas tenham numa zona de guerra, assuntos quotidianos relacionados com a alimentação, a saúde ou a violência social contra civis em zonas de guerra, são [frequentemente] reportados a actores religiosos.”
Yirga observou que as instituições religiosas e os anciãos também têm sido alvo de violência. Entre Julho de 2018 e Abril de 2022, 30 igrejas foram atacadas em várias regiões da Etiópia. Em Dezembro de 2023, um ataque aéreo aos terrenos de uma igreja na região de Oromia matou oito pessoas e feriu cinco. Dois meses depois, duas pessoas foram mortas num ataque a outra igreja na região.
Outros ataques recentes a igrejas ocorreram no Burquina Faso, na RDC, em Moçambique e na Nigéria.