EQUIPA DA ADF
Nas semanas que se seguiram à queda de Bashar al-Assad na Síria, as imagens de satélite contavam a história de um exército russo a retirar-se das suas bases mediterrânicas, outrora tão apreciadas.
Dois aviões de carga Antonov AN-124 com os cones do nariz abertos preparavam-se para carregar, enquanto dezenas de veículos se alinhavam na pista da base aérea de Khmeimim, que durante muitos anos serviu de ponte aérea da Rússia para África.
O tráfego aéreo diário entre a Síria e a Líbia aumentou significativamente, enquanto as autoridades russas e as autoridades sírias destituídas se esforçavam por encontrar refúgio para os navios russos, agora sem casa. No sul da Líbia, fotografias de satélite mostram mercenários russos a construir e a expandir bases logísticas perto das fronteiras do Chade e do Sudão.
Os peritos afirmam que as bases da Rússia na Síria são a chave para a sua actividade mercenária e outros projectos em África. Agora, as atenções do Presidente da Rússia, Vladimir Putin, voltam-se para a Líbia.
“Tendo apoiado o ditador deposto [Assad] durante nove anos, é provável que a nova autoridade em Damasco peça a Moscovo para evacuar os seus militares da Síria,” Mustafa Fetouri escreveu para a organização de investigação mediática Middle East Monitor em Dezembro de 2024. “Moscovo está certamente interessado em encontrar uma alternativa à Síria, e tudo indica que a Líbia será provavelmente essa opção.”
Exilada das suas fortalezas na Síria, a Rússia procura desesperadamente relocalizar a sua presença na região do Mar Mediterrâneo e já está ocupada a tentar estabelecer a Líbia como a sua nova porta de entrada em África.
Chris Stephen, analista do Centro de Análise de Políticas Europeias, considera que África é “o único continente onde Moscovo ainda tem influência.” No entanto, alertou para o facto de as profundas divisões da Líbia terem tornado o país tão instável como a Síria.
“Sem portos e aeroportos para a abastecer, a missão imperial da Rússia em África pode tornar-se tão malfadada como a sua intervenção falhada na Síria,” escreveu no dia 9 de Janeiro. “O prestígio da Rússia está a afundar-se. Putin fez figura de parvo com a sua invasão da Ucrânia. … Agora, Moscovo experimentou outra derrota humilhante na Síria, onde as suas forças são demasiado fracas para impedir Assad de ser deposto pelos rebeldes apoiados pela Turquia.”
Os laços militares da Rússia com a Líbia passam principalmente pelo Marechal Khalifa Haftar e pelo seu Exército Nacional Líbio (LNA), a quem forneceu mercenários do Grupo Wagner, aviões de ataque e armas. Até ao cessar-fogo de 2020, o LNA travou uma guerra civil de seis anos com o Governo de Acordo Nacional (GAN), sediado em Trípoli, que era armado pela Turquia.
Visto que Haftar ainda está em desacordo com o GAN, apoiado pelas Nações Unidas, os planos e pactos da Rússia não são sancionados pelo Estado líbio reconhecido internacionalmente nem aprovados pelo parlamento, que tem a sua sede em Tobruk, controlada por Haftar.
O Ministério da Defesa da Rússia, através do seu grupo mercenário Africa Corps, está a planear construir uma base naval em Tobruk e pretende utilizar a Líbia como quartel-general para continuar a explorar a República Centro-Africana, o Mali, o Níger e o Sudão em busca de ouro, urânio e outros recursos naturais.
Tarek Megerisi, membro sénior do Conselho Europeu de Relações Externas, afirmou que a deslocação da Rússia para a Líbia é uma má notícia para os conflitos em curso no Sudão e no Sahel.
“Muito do equipamento que chega à Líbia acaba por ir para outros teatros onde há combates activos, por isso, podemos assistir a uma escalada nessas regiões no futuro,” disse à France 24.
Outra complicação para o Kremlin é o facto de a Líbia não possuir instalações de águas profundas. A base de Tobruk necessitaria de grandes obras para acolher os maiores meios navais russos que ainda se encontram no limbo na Síria.
“Tobruk, na Líbia, é uma opção, mas não oferece o mesmo grau de estabilidade que Tartus, sob o regime de Assad,” Basil Germond, professor de segurança internacional na Universidade de Lancaster, disse ao The i Paper. “Além disso, fica mais perto dos teatros africanos onde as tropas russas operam, mas mais longe da Rússia em termos de transporte aéreo de e para a base.
“A Rússia já estava no seu ponto mais fraco em termos navais, mas a queda de Assad está a colocar ainda mais pressão sobre as limitadas capacidades de projecção naval de Moscovo.”
A viragem do Kremlin para a Líbia leva mesmo alguns bloguistas militares russos a questionarem-se se não estará a repetir os mesmos erros que foram cometidos na Síria.
“A Líbia é um lugar de risco,” escreveu Fetouri. “A relação entre a Rússia e Haftar tem sido uma espécie de negócio privado da família Haftar. Se Haftar acabar como Assad, então, tudo o que Moscovo investiu nele desaparecerá.”