EQUIPA DA ADF
No meio do caos do actual conflito no Sudão, o Estado de Kassala, no leste do país, tem-se mantido relativamente pacífico. No entanto, a presença crescente de milícias na região ameaça alterar esta situação.
Nos últimos meses, os habitantes de Kassala e dos Estados vizinhos de Gedaref têm relatado a passagem de colunas de veículos de tipo militar com armas antiaéreas montadas. As milícias sudanesas têm transitado pela região, deslocando-se de campos de treino na Eritreia e na Etiópia para combater as Forças de Apoio Rápido (RSF) em apoio às Forças Armadas do Sudão (SAF) em Cartum, no Cordofão e noutras zonas.
Simultaneamente, as milícias que têm estado a combater as RSF no Sudão Ocidental começaram a enviar forças para o leste.
“Esta situação complexa tem suscitado preocupações de que o Sudão Oriental possa vir a assemelhar-se ao Sudão Ocidental, devastado pela guerra, tornando-se um ambiente repleto de grupos armados,” escreveram recentemente os analistas do Sudan War Monitor.
Em Kassala, Mohamed Idris, de 27 anos, disse à Agence France-Presse (AFP) que decidiu juntar-se a uma milícia em formação num campo na fronteira com a Eritreia porque não conseguia encontrar trabalho.
“Consegui a minha licenciatura, mas não há oportunidades de emprego. Se entrar num campo de treino, posso pelo menos defender o meu país e o meu povo,” frisou.
Os peritos observam que a proliferação de milícias serve os interesses das SAF, que começaram a guerra com uma abundância de armas pesadas mas com uma escassez de caças terrestres. No entanto, também complica ainda mais qualquer tentativa de encontrar uma resolução pacífica e democrática para o conflito, visto que cada milícia se apresentará à mesa de negociações com o seu próprio território, interesses e exigências.
“É importante notar que as milícias armadas no Sudão são diversas, com diferentes motivações e dinâmicas,” escreveu o investigador Osama Abu Bakr para a Arab Reform Initiative em 2023. “O ambiente é fluido, com novos grupos a surgirem e os existentes a sofrerem alterações.”
No seu relatório, Abu Bakr identificou 16 milícias que operam no Sudão, muito divididas entre as regiões oriental e ocidental do país.
No início da actual guerra, algumas milícias, como o Movimento de Libertação do Sudão (SLM) e o Movimento Justiça e Igualdade (JEM), baseados no Darfur, mantiveram-se neutras e concentraram-se na protecção das suas comunidades contra ataques de ambos os lados do conflito.
Por fim, ambos os grupos deram o seu apoio às SAF e começaram a combater as RSF. Fazem parte das milícias ocidentais que se expandiram recentemente para os Estados orientais para apoiar as SAF.
Estas milícias ocidentais estão a juntar-se a um número crescente de milícias orientais em Kassala, tais como a Eastern Cohort, apoiada pela Eritreia, e o Movimento Nacional para a Justiça e o Desenvolvimento (NMJD), baseado no Sudão.
Os líderes da comunidade de Beja, no leste do Sudão, denunciaram o destacamento de combatentes da Eastern Cohort e comprometeram-se a enfrentá-los como uma força estrangeira activa no Sudão.
Entretanto, um grupo de jovens de Kassala, conhecido por Free Sons of Kassala Forum, opõe-se ao crescimento contínuo das milícias e dos civis armados no leste do Sudão. Eles alertaram para o facto de o aumento das fileiras das milícias e a abundância de armas comprometerem a segurança de Kassala. A estabilidade de Kassala ajudou-a a servir de refúgio a muitas pessoas deslocadas pelos combates no Sudão, bem como a pessoas que fogem da Eritreia e da Etiópia.
Ao encorajar o crescimento de milícias para apoiar as SAF, os líderes sudaneses estão a agravar o caos no país, alerta o analista Ameer Babiker. Segundo os observadores, as SAF e as RSF debatem-se com problemas de comando e controlo, visto que dependem cada vez mais das milícias para combater.
Ao darem poder às milícias, os generais sudaneses estão a tornar impossível ignorar as suas exigências quando os combates finalmente terminarem, segundo Babiker.
Um Sudão pacífico dependerá da integração bem-sucedida das suas muitas milícias nas forças armadas nacionais, diz Babiker.
“Isto requer um diálogo alargado e uma reflexão inovadora para se chegar a uma fórmula óptima para integrar estas milícias de forma a reforçar o Estado em vez de o minar,” Babiker escreveu recentemente para o Moatinoon. “Isto marcaria o fim de uma era e o início de uma nova.”