EQUIPA DA ADF
A guerra no Sudão está a inflamar as tensões étnicas em todo o país e a ameaçar transformar a batalha entre duas facções militares numa guerra mais vasta e de cariz tribal.
“A escalada das narrativas de guerra de ambos os lados está a alimentar uma retórica de cariz étnico,” o Grupo de Apoio à Paz no Sudão (AGPS) referiu num comunicado. O grupo afirmou que as afirmações inflamadas das Forças Armadas do Sudão (SAF) e das Forças de Apoio Rápido (RSF) estimularam uma perigosa mobilização regional e étnica.
O AGPS comparou a crescente animosidade étnica do Sudão com as fases iniciais do genocídio no Ruanda em 1994.
“O Sudão está à beira do abismo,” escreveu o grupo, instando os líderes de ambos os lados a moderar a sua retórica e a procurar uma solução pacífica para o conflito que já matou mais de 62.000 pessoas e deslocou milhões desde Abril de 2023.
Os observadores afirmam que os ataques das RSF contra civis nas regiões de al-Gezira e Darfur, entre outras, estão a impulsionar o aumento das milícias étnicas como forma de autodefesa comunitária.
“Neste momento, não há lugar seguro no Sudão,” Mohamed Chande Othman, chefe de uma recente missão de investigação das Nações Unidas, disse num comunicado.
Em al-Gezira, as RSF lançaram uma série de ataques com motivações étnicas depois de um dos seus líderes locais, Abu Agla Keikil, ter desertado para as SAF. Os ataques mataram 124 civis e provocaram mais de 37 agressões sexuais, segundo o jornalista Martin Plaut, que escreve sobre a insegurança no Corno de África.
Plaut informou que cinco conselheiros das RSF desertaram no final de Outubro.
No Darfur, os ataques das RSF a grupos tribais não-árabes, como os Masalit, reflectiram os ataques genocidas contra a população que o antecessor das RSF, a Janjaweed, lançou no Darfur há 20 anos. As RSF são oriundas da comunidade étnica árabe Rizeigat do Darfur.
Os ataques com motivações étnicas do Sudão no Darfur Ocidental incluíram raptos de mulheres jovens e idosas por combatentes das RSF para escravatura sexual. As vítimas relataram que os seus agressores lhes disseram: “Vamos obrigar-vos, as raparigas Masalit, a dar à luz crianças árabes.”
Os ataques étnicos no Darfur levaram duas milícias locais, o Movimento de Libertação do Sudão e o Movimento para a Justiça e a Igualdade, a aliarem-se às SAF contra as RSF em Abril. Ambos os grupos estão sediados nas comunidades não-árabes de Fur, Zaghawa e Masalit.
Um dia depois, os combatentes das RSF incendiaram várias aldeias não-árabes no Darfur do Norte.
Com 19 grandes grupos étnicos e cerca de 600 subgrupos entre os seus 49 milhões de cidadãos, o Sudão corre o risco de se transformar num conflito intertribal à medida que a guerra entre as SAF e as RSF prossegue, segundo os observadores.
Se isso acontecer, o conflito no Sudão poderá envolver o vizinho Chade, que partilha laços tribais ao longo da sua fronteira com o Darfur.
A tribo Zaghawa, por exemplo, estende-se ao longo da fronteira entre o Chade e o Sudão. O mesmo acontece com o grupo Rizeigat, que constitui grande parte das RSF. Um conflito tribal no Darfur do Norte poderia atrair combatentes do Chade, segundo Remadji Hoinathy, um perito do Instituto de Estudos de Segurança da África do Sul.
“O povo Zaghawa das aldeias remotas do Chade — que vive ao longo da fronteira e está muito armado — pode estar absolutamente implicado no conflito [no Darfur do Norte],” Hoinathy disse à Al Jazeera.
Para reduzir a ameaça de um conflito tribal generalizado, os dirigentes sudaneses têm de abordar as disparidades históricas entre as etnias e a riqueza do Sudão para construir uma visão comum do futuro, segundo Hamdy A. Hassan.
“Para alcançar a paz no Sudão, é necessário concentrarmo-nos nas preocupações das populações marginalizadas em zonas de conflito e regiões desfavorecidas,” Hassan, professor da Universidade Zayed, nos Emirados Árabes Unidos, escreveu no The Conversation. “É também necessário abordar as causas profundas da violência armada.”