EQUIPA DA ADF
O quinto enchimento da Grande Barragem do Renascimento Etíope elevou mais do que o nível do vasto reservatório da barragem hidroeléctrica: também elevou as tensões entre a Etiópia e o Egipto sobre o controlo do Rio Nilo.
O mais recente enchimento, que começou em Julho, provocou a indignação das autoridades egípcias, que insistem que a barragem é ilegal e representa uma ameaça existencial para o seu país. O Egipto obtém mais de 90% da sua água doce do Nilo.
As autoridades egípcias afirmam que os tratados da era colonial, de 1929 e 1959, garantem ao Egipto e ao Sudão uma parte específica da água do Rio Nilo. A barragem, conhecida como GERD, é vista como um instrumento que permite à Etiópia controlar o abastecimento de água a jusante em períodos de tensão política.
“As políticas ilegais da Etiópia terão graves impactos negativos nos países a jusante,” o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Egipto, Badr Abdelatty, escreveu numa carta recentemente enviada ao Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Numa carta separada enviada à ONU, a Etiópia descreveu as preocupações do Egipto como infundadas e apelou ao Egipto para “abandonar a sua abordagem agressiva” em relação ao projecto GERD.
A Etiópia argumenta que a barragem irá aliviar as inundações sazonais no Sudão e armazenar água como protecção contra futuras secas. A barragem gera electricidade fazendo passar a água através de turbinas construídas na estrutura, o que significa que o fluxo do Nilo sofrerá poucas perturbações após a conclusão do projecto.
Tanto o Egipto como o Sudão têm várias barragens no Nilo para fornecer energia e irrigar as culturas.
A GERD, localizada perto da fronteira da Etiópia com o Sudão, tem suscitado preocupações a jusante porque se situa a meio do Nilo Azul, que fornece 85% do caudal do Nilo. O restante provém do Nilo Branco, que nasce no Lago Vitória e atravessa o Uganda e o Sudão do Sul antes de se juntar ao Nilo Azul no coração de Cartum para formar o Rio Nilo.
A Etiópia começou a encher a barragem em 2020. O Egipto diz que a Etiópia ignorou um acordo de 2015 que previa a criação de um painel internacional para estudar o impacto ambiental da barragem. A Etiópia diz que o projecto é um imperativo nacional, acrescentando que os seus 5.000 megawatts de electricidade tirarão a população do país da pobreza.
No início do projecto, o Egipto ameaçou atacá-lo militarmente. Agora, dizem os observadores, qualquer dano físico à estrutura resultaria em inundações catastróficas a jusante.
Especialistas da Universidade de Manchester, no Reino Unido, examinaram a barragem e desenvolveram um plano para que a água e a energia geradas possam ser partilhadas equitativamente entre o Egipto, a Etiópia e o Sudão. Até à data, porém, nenhum desses governos manifestou interesse no plano.
Com as negociações num impasse desde Dezembro de 2023, o Egipto voltou a sua atenção para os vizinhos da Etiópia. O Egipto assinou recentemente um pacto de defesa com a Somália e concordou em fornecer 5.000 soldados à nova Missão de Apoio e Estabilização liderada pela União Africana. Em Agosto, o Egipto enviou dois aviões carregados de armas e munições para Mogadíscio, a primeira ajuda militar à Somália em mais de 40 anos.
A Somália está no meio de um conflito com a Etiópia por causa de um acordo portuário com a Somalilândia, uma região separatista no Mar Vermelho que a Somália ainda considera seu território soberano. O acordo com a Somalilândia dá à Etiópia acesso ao porto de Berbera para fins comerciais e cede 20 quilómetros de costa por 50 anos para a construção de uma base naval etíope.
As autoridades somalis ameaçam apoiar os rebeldes armados na Etiópia se o governo do Primeiro-Ministro Abiy Ahmed prosseguir as conversações com a Somalilândia. Os líderes egípcio e etíope acusam-se mutuamente de tomar medidas que desestabilizam a região.
O Egipto e a Somália planeiam realizar uma série de exercícios militares em terra e no mar que Hassan Nafaa, professor da Universidade do Cairo, considera como um possível aviso à Etiópia para que não continue a encher a GERD.
“Não é surpreendente que o Egipto aproveite a oportunidade para enviar tropas para a Somália,” Nafaa disse ao Atlantic Council. “Também dará ao Egipto uma posição privilegiada em caso de confronto, se a Etiópia tomar novas medidas para prejudicar o Egipto ou se o fluxo do Nilo for interrompido.”