EQUIPA da ADF | FOTOS DE AFP/GETTY IMAGES
Quando o Verão deu lugar ao Outono de 2021, o governo etíope viu-se em desvantagem contra os rebeldes secessionistas de Tigré, que tinham acabado de capturar as cidades de Dessie e Kombolcha no vizinho Estado de Amhara.
As vitórias estratégicas posicionaram as forças da Frente de Libertação do Povo de Tigré a cerca de 400 quilómetros a norte da capital, Adis Abeba. Também colocou os rebeldes no centro das atenções dos funcionários governamentais preocupados.
“O nosso país enfrenta um grave perigo para a sua existência, soberania e unidade,” o Ministro da Justiça, Gedion Timothewos, disse numa conferência de imprensa realizada em Novembro de 2021 em Adis Abeba, segundo a revista The National Interest. “Não podemos afastar este perigo através dos sistemas e procedimentos habituais de aplicação da lei.”
Para além de declarar o estado de emergência, o governo compilou um registo das armas detidas por particulares em Adis Abeba e informou os proprietários de armas que poderiam ser chamados a defender a cidade em caso de ataque.
Um mês depois, porém, uma contra-ofensiva colocou Dessie e Kombolcha de novo nas mãos do governo. Uma das chaves para esse sucesso terá sido a utilização de drones de baixo custo provenientes da China, do Irão e da Turquia. As notícias desse período não contêm pormenores significativos sobre a extensão da utilização de drones, mas à medida que surgiu um novo conflito, a utilização de drones pela Etiópia tornou-se mais evidente.
Em 2023, os rebeldes da região de Amhara, que lutaram ao lado dos tigrenhos de 2020 a 2022, continuaram a lutar depois de os líderes tigrenhos terem chegado a um acordo com o governo para acabar com a guerra. Em poucos meses, a Etiópia estava a utilizar drones contra eles, com resultados mortais.
Um padre ortodoxo etíope disse à agência noticiosa The New Humanitarian que um ataque de drones a 19 de Fevereiro de 2024 tinha deixado o local de impacto “cheio de partes de corpos de pessoas mortas, cadáveres intactos e sobreviventes com membros em falta que gemiam de dor.”
Um drone etíope que pairava no ar tinha como alvo um camião Isuzu perto de Sasit, uma cidade do Estado de Amhara, que, segundo testemunhas, regressava de uma cerimónia de baptismo. O camião terá transportado cerca de 50 pessoas. O ataque com drones matou pelo menos 30 civis e feriu outros 18, segundo a ReliefWeb.
Outros meios de comunicação social referem que um drone destruiu uma ambulância a caminho de um hospital em Wegel Tena.
A Etiópia é apenas uma nação africana que utiliza drones, por vezes designados por veículos aéreos não tripulados (VANT). Os tipos de drones variam consoante o tamanho, a finalidade e a origem. Mas há uma coisa que os une: não existem regras específicas que orientem a utilização responsável de drones em combate ou na luta contra o terrorismo. Isso coloca os civis em risco de morte e ferimentos e os governos sem princípios orientadores unificados para a utilização continuada de drones.
PROMESSA E PERIGO
Há mais de uma década que os drones têm vindo a cobrir os céus dos conflitos africanos. A força multinacional da União Africana na Somália começou a utilizar drones de baixo custo em 2015 para fins de informação, vigilância e reconhecimento, de acordo com o Small Wars Journal. As forças de manutenção da paz das Nações Unidas utilizaram drones na República Centro-Africana, na República Democrática do Congo e no Mali. A sua utilidade é evidente.
“A promessa dos drones é realmente tremenda,” Christopher Fabian, conselheiro principal do UNICEF para a inovação, disse ao Inter Press Service em 2022. Podem ajudar os trabalhadores humanitários de três formas: em primeiro lugar, podem atravessar infra-estruturas danificadas ou em falta para transportar pequenas cargas úteis. Em segundo lugar, podem fornecer dados e vistas de locais de catástrofe para identificar danos e potenciais vítimas. Os drones também podem estender a conectividade Wi-Fi a campos de refugiados ou escolas para acesso à internet.
“O hardware em si não viola os direitos humanos,” disse Fabian. “São as pessoas por detrás do hardware.” Isso já foi provado vezes sem conta em todo o continente. Dois ataques com drones em Março de 2024 na aldeia de Amasrakad, no Mali, mataram 13 mulheres e crianças e feriram mais de uma dezena de outras pessoas, segundo a Amnistia Internacional. Um comunicado do exército maliano afirma que os ataques “contribuíram para neutralizar muitos terroristas e alguns dos seus veículos,” uma afirmação que os residentes locais contestam.
Dois dias depois, um ataque de um drone nos arredores de Mogadíscio, na Somália, matou quase duas dezenas de pessoas e feriu outras 21. Não se sabe ao certo quem foi o responsável, mas fontes de segurança anónimas disseram ao The Washington Post que um drone turco esteve envolvido. A Turquia, um aliado do governo federal da Somália, tem a sua maior base militar no estrangeiro em Mogadíscio. “É provável que os relatos alimentem as preocupações de que a proliferação de drones está a causar um enorme aumento de vítimas civis com pouca responsabilidade,” afirmou o Post sobre o ataque na Somália.
“A entrada dos drones no mercado e a sua aquisição pelos governos exige uma maior responsabilidade e a aprovação de leis para proteger os civis” e os operadores precisam de mais formação, Abdisalam Guled, antigo director-adjunto da Agência Nacional de Informações e Segurança da Somália, disse à Bloomberg em Março de 2024. “É um novo mercado, uma nova indústria e um novo tipo de arma, mas tem de ser acompanhado de mais responsabilidade.”
VARIEDADE NO TIPO E NO USO
Os drones dividem-se em três classificações principais, de acordo com “The Drone Databook” de Dan Gettinger, fundador do Centro do Estudo do Drone, actualmente em funcionamento no Bard College.
Os drones da classe I pesam menos de 150 quilogramas, podem voar entre uma a três horas de cada vez e têm um alcance máximo de cerca de 80 quilómetros. Podem transportar cargas úteis de até 5 quilogramas e têm uma velocidade máxima de 100 quilómetros por hora. Podem incluir veículos de asas fixas e rotativas e, normalmente, são lançados à mão ou com uma calha pneumática. A maior parte dos drones de classe I são utilizados para reconhecimento e vigilância.
Os drones de classe II podem voar durante 10 horas, têm um alcance máximo entre 100 e 200 quilómetros e podem transportar cargas úteis até 70 quilogramas. A sua velocidade máxima é de 200 quilómetros por hora. Podem ser veículos de asa rotativa ou fixa e podem necessitar de uma pequena pista para serem lançados. Podem transportar equipamento de detecção, orientação e comunicações, bem como algumas munições ligeiras.
Os drones de classe III podem voar durante mais de 24 horas, transportar várias centenas de quilogramas e voar a 300 quilómetros por hora ou mais. O alcance pode exceder vários milhares de quilómetros. Existem veículos de asa rotativa e de asa fixa nesta classe, sendo que os drones de asa fixa necessitam de pistas. Voam a médias e altas altitudes durante longos períodos, e alguns são utilizados para ataques e combates letais.
Segundo a Blomberg, nos últimos cinco anos, os países africanos que procuram uma capacidade militar rentável adquiriram drones a empresas como a turca Baykar e a chinesa Aviation Industry Corp. Nesse período, as mortes de civis devido a ataques aéreos e com drones aumentaram de 149 em 2020 para 1.418 em 2023.
“Não se trata da tecnologia, mas da forma como é utilizada, e estamos a assistir a um padrão de utilização que está a causar muitos danos a civis,” Nate Allen, professor associado do Centro de Estudos Estratégicos de África (ACSS), disse à Bloomberg.
COMBATER A PROLIFERAÇÃO
Mais de um terço das forças armadas do continente adquiriram drones e muitos militantes não estatais estão a tentar fazer o mesmo.
“Para além de incorporar VANT nos seus arsenais e conceitos operacionais, os governos africanos precisam de se envolver urgentemente em esforços regionais e globais para controlar a disseminação e chegar a um consenso em torno das normas de utilização dos VANT,” Allen escreveu num documento de 2023, “Turning off autopilot: Addressing the proliferation of unmanned systems in Africa’s conflict zones (Desactivar o piloto automático: Abordar a proliferação de sistemas não tripulados nas zonas de conflito em África),” para o Instituto de Segurança para a Governação e Liderança em África, da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul.
A utilização de drones espalha-se rapidamente, porque muitos conflitos africanos são travados entre forças de meios limitados que lutam a grandes distâncias. Segundo Allen, são cinco os factores que impulsionam a proliferação:
Os avanços tecnológicos tornaram os drones mais fáceis de utilizar e capazes de receber e recolher mais dados.
Estas inovações permitem que os drones complementem ou substituam activos como aviões, satélites e outros sistemas.
Com o avanço da tecnologia, os custos caíram a pique. Em tempos, os VANT podiam custar centenas de milhões de dólares. Actualmente, um drone de ataque Shahed de fabrico iraniano “custa apenas 20.000 dólares para ser fabricado e até 500.000 dólares para ser abatido,” escreveu Allen. Outros drones mais pequenos podem custar apenas 450 dólares e destruir um tanque.
Estes baixos custos permitem que uma série de empresas e nações — como o Irão, Israel, África do Sul e Turquia — se estabelecessem no mercado global.
À medida que a tecnologia avança e é adaptada, é provável que os drones se tornem mais comuns no continente.
“Mesmo quando procuram adquirir VANT, é imperativo que os governos africanos tomem medidas para mitigar os riscos, as externalidades negativas e as consequências da proliferação de VANT,” escreveu Allen. “Em alguns casos, a sua proliferação pode beneficiar mais as redes criminosas e os grupos terroristas do que os actores estatais, tornando necessário tomar medidas para controlar e limitar a sua utilização em torno de certas áreas e instalações estratégicas.”
Os riscos incluem danos colaterais a civis durante ataques militares e a não protecção de preocupações legítimas com a privacidade quando os drones são utilizados para vigilância e recolha de informações. As nações devem certificar-se de que a vigilância por drones cumpre as regras de protecção de dados e elaborar orientações éticas sobre quando e como os drones podem ser utilizados.
UTILIZAÇÃO POR ACTORES NÃO ESTATAIS
Em Maio de 2021, Amade Miquidade, o então Ministro do Interior de Moçambique, disse aos meios de comunicação social que os extremistas da província de Cabo Delgado estavam a utilizar drones para atingir alvos precisos. Na Somália, os fornecedores de serviços de segurança disseram que o al-Shabaab usa drones para vigilância, de acordo com “Drones and Violent Nonstate Actors in Africa (Drones e actores violentos não estatais em África),” um artigo de Karen Allen para o ACSS.
Prevê-se que o mercado de drones em África valha 43 bilhões de dólares em 2024. Prevê-se que o crescimento inclua a utilização humanitária, a segurança marítima e as patrulhas fronteiriças, escreveu. No entanto, uma outra área provável de crescimento apresenta partes iguais de promessa e perigo: drones para amadores e comprados em lojas.
Os telemóveis inteligentes, que alguns militantes já utilizam para detonar dispositivos explosivos improvisados, também podem pilotar certos drones. Tendo em conta os relatos de grupos não-estatais que utilizam pequenos drones no norte de Moçambique, as potenciais ameaças são claras.
“Se olharmos para a facilidade com que [os insurgentes] estão a obter armas e a montar ataques contra as forças armadas, nunca subestimarei a possibilidade de começarem a utilizar capacidades tecnologicamente mais avançadas, e com isso incluo os drones,” a sul-africana Jasmine Opperman, especialista em segurança, disse a Karen Allen. “Se é possível trazer telemóveis às centenas através de rotas de contrabando ilegais, o que os impede de trazer drones?”
Os Drones E O Direito Internacional Humanitário
EQUIPA da ADF
Os drones apresentam vantagens e desafios para as forças de segurança. Permitem a aplicação remota de força letal, o que pode proteger as forças de segurança e salvar vidas. No entanto, há quem receie que essas vantagens possam reduzir o limiar de utilização de drones, pondo assim em perigo outras pessoas e suscitando preocupações em matéria de responsabilidade.
O Direito Internacional Humanitário (DIH) não aborda especificamente a utilização de drones, mas as regras gerais do DIH aplicam-se, de acordo com a Geneva Call. O DIH abrange armas, sistemas de armas e plataformas. Os drones são uma plataforma com potencial para transportar armas. “A utilização de drones armados como meio e método de guerra é regulada pelas regras do DIH que regem a condução das hostilidades, nomeadamente os princípios da distinção, da proporcionalidade e das precauções no ataque, bem como a proibição de ataques indiscriminados,” afirma um relatório da Geneva Call de 2020.
A distinção exige que as partes de um conflito atinjam apenas alvos militares, sejam eles pessoas ou objectos.
A proporcionalidade exige que, uma vez atingido um alvo legítimo, os danos colaterais não sejam excessivos relativamente à vantagem militar prevista do ataque.
Devem ser tomadas precauções para assegurar a distinção e a proporcionalidade, tais como a verificação de que os alvos não são civis.
As forças de segurança devem evitar ataques indiscriminados, o que significa ataques não dirigidos a alvos militares e aqueles “realizados com meios ou métodos de guerra que não podem ser dirigidos a objectivos militares ou cujos efeitos não podem ser limitados conforme exigido pelo DIH.”