EQUIPA DA ADF
O Grupo Wagner, da Rússia, expande o seu alcance por toda a África com promessas de segurança e apoio a líderes autoritários. As nações que convidaram os mercenários sofrem com o aumento da exploração, da violência e da instabilidade.
Do Sudão em 2017 ao Burquina Faso em Janeiro de 2024, a fórmula do grupo é simples: a Rússia tem como alvo regimes autoritários precários, promete proteger a sua soberania e, em seguida, inicia uma campanha de exploração lucrativa que até o governo russo admitiu ter um travo de colonialismo.
“A narrativa que a Rússia está a promover é que os Estados ocidentais continuam a ter uma atitude fundamentalmente colonial,” Jack Watling, especialista em guerra terrestre do Royal United Services Institute (RUSI), disse à BBC. “É muito irónico, porque a abordagem russa, que consiste em isolar estes regimes, capturar as suas elites e extrair os seus recursos naturais, é bastante colonial.”
Watling foi co-autor de um relatório de Fevereiro de 2024 para o instituto, intitulado “The Threat from Russia’s Unconventional Warfare Beyond Ukraine, 2022-24,” que aborda a forma como os mercenários russos promovem os interesses de Moscovo em África à custa das nações do continente e dos seus antigos aliados.
O Grupo Wagner, agora rebaptizado como Africa Corps, aconchega-se aos líderes autoritários e promete-lhes aquilo a que o relatório do RUSI chama um “pacote de sobrevivência do regime.” A Rússia fornece apoio militar, formação, serviços de segurança e agentes políticos para angariar apoio interno através de elaboradas campanhas de desinformação.
Em troca, a Rússia reclama direitos de extracção favoráveis para o petróleo e o gás natural na Líbia, o ouro e o lítio no Mali, o ouro no Sudão e o urânio no Níger. Estes negócios reforçam os cofres do governo russo, mantendo os activos energéticos fora das mãos das potências ocidentais, como a França, que depende do urânio para fazer funcionar as suas centrais nucleares.
“O resultado é que os parceiros de segurança russos ganham inicialmente uma capacidade soberana através dos mercenários russos e da segurança pessoal a médio prazo,” afirma o relatório do RUSI. “No entanto, também se tornam dependentes e começam a perder o acesso a fornecedores de segurança alternativos. A médio e longo prazo, as concessões económicas exigidas pela Rússia correm o risco de criar uma relação extremamente desigual, em que Moscovo retira muito mais do que oferece.”
Durante muito tempo, pensou-se que os mercenários do Grupo Wagner estavam separados do controlo do governo russo, mas o relatório do RUSI desmente a noção de que o Grupo Wagner alguma vez foi uma mera empresa militar privada. De facto, o Ministério da Defesa russo financiou o Grupo Wagner directamente e através de contratos que excederam os 10 bilhões de dólares entre 2014 e 2023.
“Só de Maio de 2022 a Maio de 2023, a Rússia gastou cerca de 1 bilhão de dólares em salários e pagamentos de indemnizações aos combatentes do Grupo Wagner,” afirma o relatório. Este valor corresponde a 77% do que a Rússia gastou no seu sistema nacional de saúde em 2022.
“O ‘Grupo Wagner’ nunca existiu como uma entidade oficial,” afirma o relatório. “Os combatentes eram contratados por várias empresas. Mas, de qualquer forma, o Grupo Wagner tornou-se a identidade corporativa do pessoal.” O tecido conjuntivo das suas várias operações era Yevgeny Prigozhin, um compadre do Presidente da Rússia, Vladimir Putin, que dirigia a organização.
Desde que os mercenários combateram na Síria e na Ucrânia e depois se mudaram para África, “Moscovo tem seguido um padrão de intervenção para apoiar líderes politicamente isolados que enfrentam crises em países regionais fulcrais, muitas vezes, com recursos naturais abundantes,” de acordo com um documento de 2021 do Centro de Estudos Estratégicos de África (ACSS), da autoria de Joseph Siegle e Daniel Eizenga. “Estes líderes ficam então em dívida para com a Rússia, que assume o papel de potência regional.”
Após a morte de Prigozhin num misterioso acidente de avião em Agosto de 2023 — dois meses depois de ter liderado, e depois travado, uma marcha amotinada em direcção a Moscovo — o Grupo Wagner mudou de nome para Africa Corps. O mais importante é o facto de o novo grupo ter sido integrado no Ministério da Defesa russo.
Esta mudança é significativa, porque retira o manto de um interesse comercial privado e, com ele, a negação plausível de Moscovo para os excessos dos mercenários, como as execuções de civis e outras atrocidades documentadas.
Agora, o grupo paramilitar Africa Corps promete um menu de serviços de segurança, mantendo um “nível controlável de instabilidade” para preservar os contratos “enquanto permite que a sua rede de empresas continue o seu ataque extractivo às economias africanas,” de acordo com um artigo de Fevereiro de 2024 do Dr. Mohammed Issam Laaroussi para a Eurasia Review.
Os serviços do Africa Corps são actualmente administrados pela organização de informação russa conhecida como GRU e oferecem aos clientes mercenários o “pacote de sobrevivência do regime.” Em alguns casos, a abordagem promete aos dirigentes protecção pessoal. Há anos que os mercenários do Grupo Wagner oferecem serviços de segurança ao presidente da República Centro-Africana. O acordo proporciona uma protecção económica e política contra as reacções internacionais de grupos como as Nações Unidas. Além disso, o país anfitrião recebe formação militar e ajuda no combate a grupos extremistas.
Para reforçar a soberania nacional dos governos, os mercenários fornecem apoio político interno através de uma sofisticada variedade de serviços de comunicação social e propaganda. As estações de rádio, as redes sociais e até mesmo as manifestações públicas forjadas, decoradas com bandeiras russas, trabalham para reforçar a credibilidade do governo aos olhos dos seus cidadãos.
No entanto, foram registados casos documentados de massacres, execuções e abusos de civis relacionados com mercenários russos no Sahel e não só. Este facto afasta as nações anfitriãs de outros parceiros militares de uma forma que “pode não ser totalmente apreciada quando a cooperação é acordada pela primeira vez,” afirma o relatório do RUSI.
“Os objectivos russos são bastante simples: matar opositores aos regimes em países com juntas militares ou líderes autoritários e obter ouro em troca de chefes de Estado aterrorizados e demasiado dispostos a entregá-lo,” Dan Whitman escreveu numa análise para o Eurasia Program.
FALTA DE SEGURANÇA
Apesar de os mercenários russos venderem a promessa de segurança, incluindo a ajuda na luta contra os militantes da al-Qaeda e do grupo do Estado Islâmico, as nações do Sahel não registaram melhorias nos últimos anos. De facto, o que se passa é o contrário.
Um relatório de Janeiro de 2024 do ACSS mostra que as mortes devidas à violência dos militantes islâmicos aumentaram 20% de 2022 a 2023. O Sahel, onde os mercenários russos têm estado activos, viu as mortes aumentarem 43% durante esse período.
As cerca de 11.643 vítimas mortais ligadas à violência dos militantes islâmicos no Sahel constituem um recorde desde 2015, indica o relatório.
Em 2023, o Burquina Faso foi o país onde se registaram 67% de todas as mortes relacionadas com grupos militantes islâmicos no Sahel, mais do dobro do número registado em 2022. O país liderou a região em termos de violência extremista pelo terceiro ano consecutivo. O Mali foi responsável por 34% da violência dos militantes islâmicos na região.
Os mercenários ajudaram os soldados malianos a realizar ataques com drones e rusgas que mataram civis, incluindo crianças, afirmou a Human Rights Watch (HRW) em Março de 2024.
“O governo militar de transição do Mali, apoiado pela Rússia, não só está a cometer abusos horríveis, como também está a trabalhar para eliminar o escrutínio da sua situação de direitos humanos,” Ilaria Allegrozzi, investigadora sénior da HRW sobre o Sahel, disse num comunicado.
Na última década, os extremistas islâmicos mataram centenas de civis, cometeram actos de violência sexual, utilizaram dispositivos explosivos improvisados e impuseram requisitos religiosos rigorosos às comunidades. Agora que a missão de manutenção da paz das Nações Unidas e outras forças internacionais partiram, poucos se sentem seguros para falar contra as atrocidades. Os habitantes relatam violências brutais às mãos dos soldados malianos e dos seus aliados russos.
“O que quer que escolhamos é mau, onde quer que vamos é para enfrentar o sofrimento,” disse um homem da aldeia de Nienanpela, onde, a 23 de Janeiro de 2024, soldados malianos e mercenários russos executaram um homem de 75 anos, segundo a HRW. “Os jihadistas são brutais e impuseram-nos a sua forma do Islão, mas os militares e os [combatentes] do Grupo Wagner, que supostamente nos protegem, o que fazem é apenas matar, pilhar e queimar.”