EQUIPA DA ADF
Enquanto os dois lados da guerra civil sudanesa lutam para controlar el-Fasher, a capital sitiada do Darfur do Norte, os hospitais e os doentes da cidade encontram-se no meio do fogo cruzado.
O último hospital público em funcionamento em el-Fasher, o Hospital Saudita, foi atingido por uma bomba no dia 11 de Agosto que destruiu a sua unidade cirúrgica e danificou a maternidade. Cinco doentes e um membro do pessoal morreram no ataque.
“O ataque ao Hospital Saudita — que é o maior hospital do Estado de Darfur do Norte — deixa bem claro que as partes beligerantes não estão a fazer qualquer esforço para proteger as unidades sanitárias ou os civis que nelas se encontram,” Michel Olivier Lacharité, chefe de operações de emergência da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), disse num comunicado. “Os doentes temem pela sua vida devido aos ataques incessantes.”
O ataque de Agosto foi o quarto ataque ao Hospital Saudita e o 11.º ataque às infra-estruturas médicas de el-Fasher desde que as Forças Armadas do Sudão (SAF) e as Forças de Apoio Rápido (RSF) intensificaram a sua batalha pelo Darfur do Norte em Maio. O Estado, que continua nas mãos do governo, é a única das cinco regiões do Darfur que não está sob o controlo das RSF.
Na altura do ataque, o Hospital Saudita estava a tratar mais de 100 pessoas feridas nos combates do dia anterior. O bombardeio deixou o hospital praticamente inoperante, segundo a MSF.
Lacharité disse que a MSF tratou mais de 2.500 pessoas feridas por três meses de bombardeio contínuo de ambos os lados da batalha. Mais de 370 destes pacientes da MSF morreram devido aos seus ferimentos.
Os hospitais e as unidades sanitárias de todo o Sudão foram apanhados na guerra entre as SAF e as RSF. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 82 unidades sanitárias sudanesas foram atacadas desde o início dos combates em Abril de 2023.
No dia 9 de Agosto, as forças das RSF bombardearam a maternidade de Omdurman, um dia depois da sua reabertura, após ter estado sob o controlo das RSF durante vários meses. A zona em redor do hospital está agora nas mãos das SAF.
O Sudão tem um historial de ataques contra médicos e profissionais de saúde, sobretudo desde os protestos de 2018 contra o então líder Omar al-Bashir. Após o golpe de Estado de 2021, que pôs fim à transição do Sudão para o regime civil, os médicos foram torturados ou desapareceram depois de terem prestado cuidados a pessoas que protestavam contra a tomada do poder pelos militares, segundo os investigadores Rawa Badri e Iyas Dawood.
Os actuais ataques a unidades sanitárias coincidem com surtos de doenças como a cólera, a malária e a meningite. Ambos os lados da guerra impediram a OMS, a MSF e outras organizações de ajuda humanitária de levar mantimentos para as zonas contestadas.
Os ataques aos hospitais começaram logo após o início dos combates entre as SAF e as RSF. No início da guerra, as RSF colocou combatentes armados, veículos e armas antiaéreas em redor do Hospital do Nilo Oriental de Cartum. As SAF atingiram o hospital com um ataque aéreo no dia 1 de Maio.
Os combatentes também atacaram ambulâncias em Cartum quando estas transportavam doentes para os hospitais. As SAF bombardearam o Hospital dos Médicos em Cartum, destruindo o edifício e os equipamentos médicos.
Os poucos hospitais que sobreviveram às greves e à ocupação no início da guerra ficaram sem electricidade quando os geradores esgotaram o combustível. No Hospital Eld’aeen, no Darfur Oriental, morreram 30 recém-nascidos devido a problemas relacionados com a electricidade e o oxigénio, conforme Badri e Dawood escreveram na revista Conflict and Health.
Os ataques em el-Fasher parecem fazer parte de uma estratégia das RSF para enfraquecer a capacidade do Darfur do Norte de cuidar dos seus doentes e feridos. Em Julho, o governador de Darfur, Minni Minawi, que aliou a sua milícia às SAF, informou nas redes sociais que as RSF tinham destruído um hospital privado perto do Grande Mercado de el-Fasher e atingido o hospital público de Jabal Marra menos de uma hora depois.
Os bombardeamentos indiscriminados de ambos os lados na batalha por el-Fasher danificaram ou destruíram o centro de diálise da cidade, bem como o Hospital do Sul e vários centros de saúde privados. As forças das RSF são acusadas de saquear os edifícios danificados, retirando-lhes equipamento e provisões.
À medida que aumenta a escala do sofrimento entre os não combatentes do Sudão, os peritos médicos apelam a ambas as partes para que deixem de atacar o sistema de saúde do país.
“As partes em conflito devem parar com os ataques aos cuidados médicos,” Lacharité disse num comunicado. “Os hospitais estão a fechar. As instalações restantes não podem lidar com vítimas em massa. Estamos a tentar encontrar soluções. As partes em conflito têm a responsabilidade de poupar as instalações médicas.”