OPINIÃO E ANÁLISE DE CONVIDADO
CHIKONDI CHIDZANJA
Desde o anúncio da retirada da Missão da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) em Moçambique (SAMIM) da província de Cabo Delgado, várias críticas têm sido feitas à intervenção. Alguns consideraram a retirada prematura; outros rotularam-na como um fracasso regional e outros ainda questionaram a competência da SADC, acusando-a de estar a desviar-se de uma ameaça terrorista à sua porta. As críticas atingiram um ponto alto recentemente com o recrudescimento dos ataques terroristas na região. No entanto, o que os críticos não percebem está escondido à vista de todos: a conduta do país anfitrião, Moçambique. O país anfitrião desempenhará um papel decisivo no regresso à paz em Cabo Delgado.
Moçambique demorou muito tempo a admitir a existência de uma insurgência e a classificá-la como tal nas reuniões com a SADC. Quando procurou ajuda externa pela primeira vez, recorreu a empresas militares privadas (EMP) como o Dyck Advisory Group (DAG) e o Grupo Wagner da Rússia no final de 2019. Ambas as companhias revelaram-se incapazes de conter a insurgência e sofreram pesadas derrotas. Quando Moçambique procurou apoio internacional, deu prioridade a um compromisso bilateral com o Ruanda, que enviou tropas em 2021, mais cedo do que a SADC. Mesmo quando a SAMIM foi finalmente formada, as suas tropas foram relegadas para áreas periféricas, longe dos locais estratégicos de Cabo Delgado. O Ruanda foi afecto às principais áreas estratégicas para as suas operações. A óptica não favorecia a SAMIM.
No final, não se pode deixar de perceber que a SAMIM forçou a sua presença em Moçambique e teve que acompanhar o Ruanda, que já estava no terreno. A SAMIM não era uma prioridade para o Estado anfitrião e foi claramente relegada para o segundo plano.
Neste contexto, a retirada da SAMIM deve ser analisada sob vários ângulos. Em primeiro lugar, a retirada da SAMIM constitui uma oportunidade para Moçambique assumir a responsabilidade e a propriedade da sua segurança. A Missão de Assistência Militar da União Europeia em Moçambique (EUMAM Moçambique), anteriormente conhecida como Missão de Formação da UE em Moçambique (EUTM-Moçambique), tem vindo a treinar e a apoiar as Forças Armadas de Moçambique (FADM) na protecção de civis e na restauração da segurança na província de Cabo Delgado desde 2021. A EUTM proporcionou formação militar para equipar as tropas das FADM para operações de forças de reacção rápida. No entanto, em vez de Moçambique assumir uma maior responsabilidade e propriedade à medida que a SAMIM se retira, permitiu que o Ruanda enviasse mais 2.000 tropas. Inicialmente, em 2021, o Ruanda tinha enviado um contingente de 1.000 pessoas da Força de Defesa do Ruanda (RDF) e da Polícia Nacional do Ruanda (RNP). Essa força aumentou para cerca de 4.500.
Em segundo lugar, há que aplaudir o facto de a SAMIM ter intervindo rapidamente nesta missão ad hoc. Desde a conceptualização até à implementação, a SAMIM elaborou o seu próprio mandato e tomou as suas próprias decisões relativamente à operação da missão. A maior parte do financiamento operacional da SAMIM provém dos Estados-membros da SADC. O mandato da SAMIM era pragmático e específico no tempo. A Capacidade de Destacamento Rápido (RDC) da Força em Estado de Alerta da SADC foi destacada principalmente de Julho de 2021 a Julho de 2022 no âmbito do Cenário 6, o cenário mais grave da Força Africana em Estado de Alerta, que exige uma intervenção rápida em situações de crise. No entanto, devido à volatilidade da situação de segurança no terreno, o mandato da SAMIM foi prorrogado por um ano, até Julho de 2023, com uma transição do Cenário 6 para 5. Em Abril de 2024, a SAMIM começou a retirar-se de Cabo Delgado. Isso revela uma adesão consistente e sistemática ao procedimento de forma ad hoc, pragmática, ágil e adaptativa. Durante o seu mandato, a SAMIM registou algumas realizações importantes, incluindo a libertação de aldeias das garras do terrorismo, o desmantelamento de bases terroristas e a garantia de estradas para a livre circulação da ajuda humanitária.
Em terceiro lugar, alguns críticos apontam a falta de recursos financeiros como um factor significativo para a retirada da SAMIM. Este argumento tem o seu mérito, mas não é decisivo. De facto, se o investimento financeiro se traduzisse em paz, os conflitos na República Democrática do Congo e na região do Sahel já teriam terminado há muito tempo, devido aos milhões de dólares investidos nos esforços de manutenção da paz. Assim, fundos adicionais podem simplesmente ter deixado a SAMIM enredada num conflito prolongado sem uma estratégia de saída. Os analistas da manutenção da paz devem deixar de utilizar as finanças como factor determinante do êxito operacional de uma missão. No futuro, há necessidade de dar prioridade à caixa de ferramentas de construção da paz que aborda as queixas de longa data da comunidade de Cabo Delgado. Estas incluem o subdesenvolvimento e o facto de a comunidade não beneficiar da riqueza dos recursos naturais. A SAMIM não é um instrumento único para lidar com a crise. Paralelamente à missão, outros actores deveriam ter desenvolvido outros instrumentos de consolidação da paz para a complementar.
Em conclusão, poderia a SAMIM ter sido melhor? Em retrospectiva, sim, poderia ter sido mais pró-activa no seu envolvimento com as partes interessadas. Os críticos assinalaram correctamente que grande parte da missão da SAMIM estava envolta em secretismo, com pouca informação disponibilizada ao público.
No entanto, tendo em conta as circunstâncias, os recursos e o carácter ad hoc da SAMIM, foi talvez o melhor que puderam fazer. A SAMIM operava num ambiente hostil em que o país anfitrião tinha prioridades diferentes das de uma força regional. O próprio ambiente está repleto de outros actores a quem foram atribuídas tarefas primárias em áreas estratégicas, enquanto a força regional estava na periferia. Num ambiente deste tipo, pouco se pode conseguir a longo prazo com uma força regional de reserva. Naturalmente, as lições aprendidas servirão para as futuras intervenções na região. Se factores como o seu mandato, a relação com o país anfitrião e a falta de compreensão da natureza das intervenções ad hoc forem compreendidos de forma abrangente, então a SAMIM fez a sua parte para fazer avançar as operações de apoio à paz na região. A SAMIM exemplifica o princípio de “soluções africanas para problemas africanos.” Como o cenário das operações de paz está a mudar rapidamente, a abordagem da SADC serve de exemplo do paradigma da paz adaptativa que permite intervenções sustentáveis.
Sobre o autor: Chikondi Chidzanja é candidato a doutoramento em ciência política na Universidade de Stellenbosch, na África do Sul. É investigador de doutoramento na Unidade de Conflitos, Construção da Paz e Riscos (CPRU) da universidade. A sua pesquisa centra-se nas respostas institucionais multilaterais ao combate ao terrorismo e na manutenção da paz na SADC e na CEDEAO. Obteve o seu mestrado em relações internacionais e ordem mundial na Universidade de Leicester, no Reino Unido.