EQUIPA DA ADF
Na escuridão da madrugada de 26 de Janeiro, uma equipa de soldados malianos e de mercenários russos entrou a correr na aldeia de Welingara, na região central de Nara. Prenderam 25 homens e rapazes, levaram-nos 2 quilómetros para fora da aldeia e executaram-nos imediatamente.
“Os corpos foram encontrados empilhados uns em cima dos outros, alguns com os olhos vendados, crivados de balas ou com as gargantas cortadas,” segundo fontes locais entrevistadas pela Radio France Internationale. “Muitos foram queimados.”
Volker Türk, director do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), disse estar “chocado” com as “alegações credíveis.” Exortou ainda as autoridades malianas a garantir que as suas tropas, “bem como os seus agentes ou aliados,” respeitem o direito humanitário internacional, em particular a protecção de civis.
“É essencial que todas as alegações de privações arbitrárias da vida, incluindo execuções sumárias, sejam investigadas de forma completa e imparcial e que os responsáveis sejam levados à justiça em julgamentos que respeitem as normas internacionais,” afirmou num comunicado de 1 de Fevereiro.
Homens armados não identificados também mataram cerca de 30 civis nas aldeias de Ogota e Oimbe, na região de Bandiagara, no final de Janeiro, disse Türk.
“Faz parte de uma tendência,” disse o porta-voz do ACNUDH, Seif Magango, numa reportagem de vídeo de 2 de Fevereiro. “Temos assistido a repetidas situações em que as forças malianas e os militares estrangeiros capturam jovens nas aldeias e os executam sumariamente sem lhes dar qualquer oportunidade de serem ouvidos, sem os levar a tribunal, sem seguir o devido processo.”
Os massacres de civis não são novidade para os mercenários russos destacados para África. Os combatentes, anteriormente conhecidos como Grupo Wagner, foram rebaptizados como Africa Corps e colocados sob a alçada do Ministério da Defesa da Rússia.
O seu historial no continente é marcado por uma segurança irregular e por alegações de atrocidades e abusos contra civis.
Num relatório de 2023, peritos independentes da ONU em matéria de direitos humanos descreveram um “clima de terror e impunidade” em torno do trabalho dos mercenários russos no Mali.
O exemplo mais notório foi o massacre de mais de 500 pessoas, em Março de 2022, na aldeia de Moura, no centro do Mali. A maior parte deles foi executada. Testemunhas contaram ao ACNUDH que “homens brancos armados” aterrorizaram a aldeia ao lado de soldados malianos durante cinco dias.
O Mali, que é governado por uma junta militar que derrubou o governo civil num golpe de Estado em 2020, tem vindo a lutar contra uma insurgência ligada à al-Qaeda e ao grupo do Estado Islâmico desde 2012. Milhares de pessoas foram mortas e mais de 6 milhões foram deslocadas.
Apesar das provas de atrocidades e crimes de guerra, a junta rejeitou os pedidos de investigação da ONU e exigiu a retirada da missão de manutenção da paz da ONU, conhecida como MINUSMA, que foi destacada para proteger os civis em 2013. A MINUSMA terminou no dia 31 de Dezembro.
Jeremy Keenan, especialista sobre o Sahel, da Queen Mary University of London, afirmou que a segurança piorou “mais rapidamente” desde os golpes militares de 2020 e 2021.
As forças malianas e os seus parceiros russos estão actualmente a combater uma aliança de separatistas Tuaregues e a Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM), uma coligação de grupos insurgentes extremistas ligados à al-Qaeda.
“No segundo golpe, o Grupo Wagner foi convidado a substituir os militares franceses e a força de manutenção da paz da ONU,” Keenan disse à revista African Arguments.
“Os ataques da JNIM e do Estado Islâmico no Grande Sahara não só se intensificaram contra alvos civis e militares no Mali, como também se intensificaram nos vizinhos Níger e Burquina Faso, que também sucumbiram a [golpes de Estado] militares e à crescente influência russa.”
Lucas Webber, co-fundador da rede de investigação Militant Wire, afirmou que a segurança continua a deteriorar-se.
“Os jihadistas e outros militantes continuam a invadir a zona,” disse à African Arguments. “Com a Rússia e o Grupo Wagner, há poucos ou nenhuns requisitos em matéria de direitos humanos e as suas forças desempenham funções de segurança do governo e funções militares ofensivas.”
Magango disse que Türk continua a exortar o governo do Mali a investigar “as violações de direitos humanos cometidas por qualquer pessoa, incluindo as suas forças armadas.”
“É importante que o ciclo de impunidade que levou o Mali ao ponto em que se encontra actualmente seja cortado,” afirmou Magango. “Esse ciclo precisa de ser quebrado.”