EQUIPA DA ADF
Para alguns países africanos, 2024 parece um ano de ajuste de contas económicas, com o vencimento das dívidas à China e a outros credores.
“As pessoas foram buscar empréstimos a juros baixos aos montes,” Nonkululeko Nyembezi, presidente do Standard Bank da África do Sul, o maior banco africano em termos de activos, disse recentemente no Fórum Económico Mundial em Davos, na Suíça. “Agora temos de nos confrontar, país a país, com a forma de apoiar os países.”
Nove países africanos iniciaram este ano em situação de crise da dívida, com outros 15 em risco elevado de crise e mais 14 classificados como risco moderado, de acordo com o Banco Mundial. A Etiópia, o Gana e a Zâmbia iniciaram o ano de 2024 sem terem efectuado o pagamento da sua dívida. O Chade juntou-se a eles na tentativa de reestruturar a sua dívida.
De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), as economias africanas crescerão colectivamente 4% em 2024, o que as tornará a segunda região económica do mundo com o crescimento mais rápido, a seguir à Ásia. Mas esse crescimento enfrentará fortes ventos contrários sob a forma de uma dívida cada vez maior. O aumento das taxas de juro associadas a essa dívida é susceptível de levar mais países a entrar em dificuldades, de acordo com Alex Vines, director do Programa África, da Chatham House, no Reino Unido.
“O debate sobre a dívida africana será importante em 2024,” escreveu Vines numa análise para a Chatham House.
O Quénia pode servir de exemplo das escolhas que os países têm de fazer quando lidam com a sua dívida.
O Quénia deve mais de 6 bilhões de dólares à China, o seu maior credor. A maior parte dessa dívida financiou a Linha Férrea de Bitola Padrão (SGR) de 700 quilómetros, construída pela China, entre Mombaça e Nairobi. Os projectistas chineses prometeram inicialmente que a linha férrea se pagaria a si própria, mas isso não aconteceu, deixando o governo a pagar a dívida.
Juntamente com o dinheiro devido ao Banco Mundial e a outros credores multilaterais, a dívida do Quénia equivalerá a 67% do seu produto interno bruto (PIB) em 2024, de acordo com o Tesouro Nacional do Quénia. Este valor é cerca de 50% mais elevado do que há uma década, quando o Quénia aderiu à Iniciativa do Cinturão e Rota da China e lançou uma vaga de empréstimos relacionados com infra-estruturas.
Karuti Kanyinga, professor investigador do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento, da Universidade de Nairobi, disse que a dívida do Quénia à China “não vai ser sustentável.”
Os empréstimos chineses têm taxas de juro mais elevadas do que os empréstimos do Banco Mundial ou do FMI e têm menos probabilidades de serem perdoados. Pelo contrário, os empréstimos e os seus pagamentos são frequentemente prolongados, o que aumenta os juros e torna os empréstimos ainda mais caros a longo prazo.
Enquanto a SGR definhava, o governo queniano foi obrigado a pagar a factura. O pagamento mais recente ao Banco de Exportação e Importação da China, efectuado no início do exercício orçamental do Quénia, em meados de 2023, totalizou 471 milhões de dólares. A subida das taxas de juro significou que só os juros ultrapassaram os 160 milhões de dólares, mais do dobro dos 77,6 milhões de dólares pagos durante o mesmo período em 2022.
Apesar das dificuldades financeiras do Quénia, o Presidente William Ruto contactou recentemente a China para pedir um novo empréstimo de um bilhão de dólares e, ao mesmo tempo, abrandar os reembolsos dos empréstimos existentes. O novo dinheiro permitiria concluir os projectos de infra-estruturas que ficaram por realizar quando a China suspendeu abruptamente os empréstimos ao Quénia e a vários outros mutuários, cada vez mais sobrecarregados, no início de 2023.
“O pagamento dessa dívida está a consumir uma quantidade cada vez maior das receitas fiscais necessárias para manter as escolas abertas, fornecer electricidade e pagar os alimentos e os combustíveis,” escreveu a Associated Press (AP) numa análise de 2023 sobre o impacto da dívida chinesa.
Os reembolsos também estão a drenar as reservas de moeda estrangeira que os países usam para pagar os juros desses empréstimos, deixando alguns com apenas alguns meses antes de esse dinheiro acabar, observou a AP.
A exigência da China de manter em segredo os termos dos seus empréstimos só complica os esforços para resolver os problemas da dívida dos países africanos. Segundo os especialistas, os credores internacionais estão relutantes em continuar a conceder crédito sem conhecerem o quadro completo das obrigações de um país.
Ruto deu um passo no sentido de melhorar a transparência em torno das dívidas do Quénia quando, contra a vontade da China, divulgou parte dos termos dos empréstimos chineses em nome da transparência.
Falando no Fórum Económico Mundial, Nyembezi apelou a mais transparência e menos corrupção para evitar futuras crises da dívida africana. Noventa por cento dos países africanos estão classificados abaixo da média no que respeita ao combate à corrupção no Índice de Percepção da Corrupção 2023, da Transparência Internacional.
“As pessoas vão entrar com fundos,” disse Nyembezi. “Mas querem saber se estão a ser utilizados da forma correcta.”