EQUIPA DA ADF
As forças de manutenção da paz estão em movimento em África. Mas, em vez de se apressarem a intervir para acabar com a violência, estão a retirar-se de alguns dos piores focos de conflito do continente — a República Democrática do Congo (RDC), o Mali e a Somália.
Os peritos questionam se estes países e os seus vizinhos estão preparados para o fim das missões multilaterais e alertam para a existência de vazios de segurança que poderão ser extremamente difíceis de preencher com forças internas e regionais.
As duas missões das Nações Unidas — MONUSCO na RDC e MINUSMA no Mali — e a força ATMIS da União Africana na Somália estão em diferentes fases de retirada, mas a insegurança continua a aumentar.
Três investigadores do Instituto de Estudos de Segurança (ISS), sediado na África do Sul — Dawit Yohannes, Meressa Kahsu e Andrews Atta-Asamoah — afirmam que foram considerações políticas, e não de segurança, que levaram a estas reduções de tropas. Alertam para o facto de os civis poderem vir a pagar um preço muito elevado quando as missões forem encerradas.
“Embora estas missões não tenham correspondido a todas as expectativas dos países de acolhimento, ajudaram a evitar o colapso do Estado,” escreveram num artigo de 10 de Outubro.
“Os acontecimentos actuais, em particular na Somália, no Mali e na RDC, sugerem que a retirada das forças de manutenção da paz criaria uma lacuna significativa em termos de segurança, conduzindo a mais violência e agravando as condições humanitárias.”
Metade das 12 missões de manutenção da paz da ONU estão em África e incluem cerca de 86.000 militares, polícias e pessoal civil. A MONUSCO e a MINUSMA, duas das maiores e mais dispendiosas operações, estão a trabalhar para se retirarem totalmente até ao final de 2023.
“O fim da MINUSMA não precipitará o colapso de outras missões da ONU,” o Crisis Group, uma organização não-governamental e um grupo de reflexão, escreveu em Julho. “Aponta o caminho para o fim de uma era de missões de capacetes azuis em grande escala em África. Com o encerramento da MONUSCO num futuro próximo, a presença militar das Nações Unidas no continente será nitidamente menor do que alguns anos atrás.”
Desde 2000, cerca de 27 operações de apoio à paz lideradas por africanos e mais de 13 missões lideradas pelas Nações Unidas custaram milhares de milhões de dólares por ano e milhares de vidas de soldados da paz no continente.
O Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, apelou a “uma nova geração de operações de restauração da paz e de luta contra o terrorismo lideradas por organizações regionais,” especialmente em África. A sua nova Agenda para a Paz, lançada no final de 2022, irá estimular “uma revisão do multilateralismo.”
“Operações de manutenção da paz onde não há paz para manter não fazem muito sentido,” afirmou a 22 de Junho, segundo o jornal Le Monde.
O chefe da manutenção da paz da ONU, Jean-Pierre Lacroix, afirmou recentemente que, para os civis na linha da frente dos conflitos, “a presença de missões de manutenção da paz constitui um importante factor de dissuasão de uma realidade ainda mais sombria.”
“A manutenção da paz não é uma varinha mágica para ajudar um país a regressar à estabilidade,” disse num discurso ao Conselho de Segurança a 7 de Setembro. “Mas com o apoio de uma comunidade internacional unificada, foram implementados processos políticos e acordos de paz.”
No seu discurso perante o Conselho de Segurança, o vice-embaixador britânico na ONU, James Kariuki, exortou a MINUSMA e a MONUSCO a aplicarem as lições aprendidas com as anteriores transições de manutenção da paz.
“Devemos ter cuidado com as retiradas das operações de manutenção da paz baseadas no tempo e não nas condições, que põem em risco vidas e processos de paz,” afirmou.
Como a RDC, o Mali e a Somália já registaram um aumento da violência este ano, os investigadores do ISS afirmaram que as forças regionais, as milícias locais e os mercenários não demonstraram capacidade de enfrentar desafios de segurança complexos.
“O agravamento da insegurança após a partida das forças de manutenção da paz mostra a necessidade de prudência nos pedidos de partida das tropas,” escreveram. “Há também uma necessidade urgente de desenvolver alternativas sólidas para preencher o vazio de segurança resultante. Até à data, os esforços nacionais e regionais não corresponderam à gravidade das ameaças que se seguiram à retirada das forças de manutenção da paz.”
Receando um vazio de segurança no Mali, a maioria dos observadores ficou surpreendida com o pedido da junta militar para que a MINUSMA se retirasse.
Os especialistas do Crisis Group, Jean-Hervé Jézéquel e Ibrahim Maïga, acreditam que, com cerca de 1.000 mercenários russos do Grupo Wagner destacados, o Mali não tem uma alternativa fiável à missão da ONU.
“A MINUSMA não tem os meios para resolver a crise do Mali, mas proporcionou uma presença militar em áreas urbanas e recursos que muitos consideraram demasiado valiosos para Bamako renunciar,” escreveram numa análise de Junho.
Os dois também chamaram a atenção para o caso de Djibo, no Burquina Faso, onde a população sofre há mais de um ano nas garras de um bloqueio militante. A retirada da MINUSMA, segundo eles, pode levar as organizações extremistas a “reavaliar a sua estratégia e a cercar os centros urbanos.”
“As autoridades malianas parecem, no entanto, acreditar que as forças armadas do Mali, com o apoio dos seus aliados russos, podem manter o controlo. Mas o governo ainda não revelou o seu plano para preencher o vazio deixado pela MINUSMA.”