EQUIPA DA ADF
O golpe de Estado no Níger é o mais recente de um aumento acentuado de tomadas de poder por militares, que têm minado décadas de progresso democrático no continente.
Com juntas no poder desde a Guiné, a oeste, até ao Sudão, a leste, África tem agora aquilo a que alguns chamam um “cinturão de golpes de Estado.”
“A África sofreu um sério revés,” afirmou o Presidente do Quénia, William Ruto, num vídeo de 28 de Julho em resposta aos acontecimentos no Níger.
Entre 1952 e 2022, os países africanos sofreram 98 golpes de Estado, segundo um relatório das Nações Unidas sobre golpes de Estado em África.
O relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), intitulado “Soldiers and Citizens: Military Coups and the Need for Democratic Renewal in Africa,” realizou um inquérito envolvendo milhares de africanos e concluiu que a maioria tem muito pouca confiança nos governantes militares.
O relatório, publicado a 17 de Julho, compilou os resultados de 8.000 entrevistas com civis de todo o continente, incluindo 5.000 africanos que viveram revoltas nos países do cinturão de golpes de Estado: Burquina Faso, Chade, Guiné, Mali e Sudão.
O PNUD constatou que 41% dos africanos inquiridos que viviam sob governantes militares e dos que se encontravam em processo de transição de governo estavam insatisfeitos com os actuais níveis de segurança.
Um sudanês que participou num grupo de discussão em Nyala, a capital do Estado de Darfur do Sul, disse que estava farto do regime militar.
“Disparar armas não cria escolas, institutos nem presta serviços,” afirmou. “Só queremos um governo civil.”
O grupo de reflexão reuniu-se em Fevereiro de 2023, antes de os dois principais líderes da junta militar do Sudão entrarem em conflito e mergulharem o país numa guerra civil sangrenta, que assistiu a uma renovação da violência étnica que dura há décadas em Darfur.
A maioria dos entrevistados considera que os militares se envolvem no governo para servir os seus próprios interesses e preservar o seu estatuto e os seus privilégios.
O relatório refere ainda que os inquiridos em três países que sofreram uma mudança inconstitucional de governo — Guiné, Sudão e Mali — sentiram falta de participação política e de crescimento económico inclusivo.
Bankole Adeoye, Comissário para Assuntos Políticos, Paz e Segurança, da União Africana, apela a uma participação mais alargada no governo como forma de combater a tomada não democrática de poder.
“África está a ignorar as vozes dos cidadãos, especialmente das mulheres e dos jovens,” afirmou ao jornal The East African. “Têm de ser ouvidas, suficientemente alto para ressoar com a mudança e inspirar impacto.
“Há muitos casos em que o tecido social está a ser excluído e, por isso, é deixado para trás na esfera política.”
O relatório do PNUD citou uma tendência em que os golpes de Estado eram populares no início, mas os autores sugeriam que esse apoio podia ser interpretado como uma reacção contra o status quo e não como um apoio ao regime militar.
“Esta interacção sensível entre esperança, entrega e expectativa contribui para o risco de turbulência prolongada em contextos de transição,” afirma o relatório.
O recrudescimento dos golpes de Estado lançou um alerta sinistro sobre a possibilidade de retrocesso democrático devido a um envolvimento crescente dos militares na governação e na política.
O Presidente da Nigéria, Bola Tinubu, pronunciou-se recentemente contra os golpes de Estado antes de o vizinho Níger ser vítima de um.
“Apelo a todos os líderes africanos, a todos os níveis, para que envidem esforços concertados no sentido de respeitar os princípios da democracia e do Estado de direito, a fim de garantir a estabilidade política no continente,” afirmou durante uma reunião de coordenação da UA, a 15 de Julho.
O relatório da ONU sugeriu que os golpes de Estado do passado têm o potencial de inspirar revoltas no presente, uma vez que muitos líderes militares africanos mantêm uma influência significativa no governo.
O Dr. Issaka K. Souaré, autor do livro “Civil Wars and Coup d’Etat in West Africa” (Guerras Civis e Golpes de Estado na África Ocidental), afirmou que existem inúmeras razões para que os golpes de Estado possam gerar mais golpes.
“Há um efeito de contágio,” disse ao The New York Times. “Vêm-se colegas nos países vizinhos a derrubarem os civis e agora o tapete vermelho é estendido debaixo dos seus pés. Alguém pode querer o mesmo.”