EQUIPA DA ADF
Embora o conflito entre líderes militares rivais no Sudão esteja a ser travado em grande parte nas ruas de Cartum, os especialistas dizem que os combates poderão deslocar-se para a região de Darfur se as Forças Armadas do Sudão (SAF) expulsarem as Forças de Apoio Rápido (RSF) da capital.
Durante duas décadas, a região sudanesa de Darfur foi o centro de grande parte do conflito interno do país, que começou com os ataques das milícias Janjaweed, em 2003. A região já está a sofrer as repercussões dos combates em Cartum, com membros locais das RSF e residentes civis a armarem-se para a batalha.
Mais de 1.000 habitantes de Darfuri morreram desde o início dos combates, a 15 de Abril, entre o chefe das SAF, General Abdel Fattah al-Burhan, e o líder das RSF, vulgarmente conhecido por Hemedti. A situação pode piorar, segundo os especialistas.
“Darfur vai ser um dos maiores campos de batalha fora de Cartum,” disse ao Middle East Eye o analista Kholood Khair, director do grupo de reflexão Confluence Advisory, de Cartum. “É importante para ambos os lados, apesar de as SAF poderem concentrar os combates em Darfur e deixá-los lá, tal como temos visto nos últimos 20 anos.”
O que torna Darfur tão central nos conflitos passados e actuais do Sudão?
Localização: Darfur cobre 500.000 quilómetros quadrados no oeste do Sudão. Embora esteja longe de Cartum, é central para a grande região que inclui a República Centro-Africana (RCA), o Chade e a Líbia. Os grupos étnicos deslocam-se facilmente através das fronteiras da região. A posição central de Darfur pode torná-lo um íman para criminosos, mercenários e outros maus actores, criando uma colmeia de instabilidade, dizem os especialistas.
Os laços transfronteiriços podem manter os combates contidos ou provocar uma metástase devido à influência de organizações como os mercenários russos do Grupo Wagner. O Grupo Wagner opera em ambos os lados da fronteira entre a RCA e o Sudão e está activo no sul da Líbia. Hemedti e o Grupo Wagner partilham um interesse comum no contrabando do ouro de Darfur, que enriqueceu Hemedti e ajudou a financiar a invasão russa à Ucrânia.
Depois há a Líbia, onde os combatentes do Grupo Wagner são aliados do General Khalifa Haftar.
“A Líbia é um importante centro logístico do mercado negro e, portanto, uma base ideal para lançar ataques,” escreveu recentemente Alia Brahimi, pesquisadora principal do Atlantic Council. Uma retirada para Darfur poderia abrir toda a região aos combates, trazendo a Líbia para a luta, acrescentou.
Segundo os observadores, as potenciais linhas de batalha em Darfur começaram a formar-se ao longo das linhas étnicas tradicionais que separam árabes e não árabes.
“É um dos primeiros locais onde se assiste a uma mobilização étnica,” disse Khair ao Middle East Eye. “Estamos a assistir muito mais a um cenário de guerra civil [lá] do que em Cartum, onde estão dois actores armados a lutar num ambiente civil, em vez de uma guerra civil.”
Raízes das RSF: As RSF evoluíram a partir das milícias Janjaweed que o antigo ditador Omar al-Bashir recrutou em 2003 para reprimir as rebeliões do Movimento/Exército de Libertação do Sudão (SLM/A) e do Movimento de Justiça e Igualdade (JEM). Hemedti saiu das Janjaweed para liderar as RSF, que al-Bashir acabou por empoderar como contrapeso às SAF.
O quartel-general das RSF continua em Darfur e é provável que o grupo se retire para lá se for forçado a sair de Cartum, segundo Khair. A centralidade de Darfur e a proximidade de aliados de Hemedti, como o Grupo Wagner na RCA e na Líbia, podem facilitar o reabastecimento e o recrutamento de mais combatentes por Hemedti. Há já relatos de armas a entrar no Darfur do Sul a partir de zonas da RCA dominadas pelo Grupo Wagner, através do posto fronteiriço de Um Dafuq, controlado pelas RSF.
Alia Brahimi, pesquisadora principal do Atlantic Council, escreveu que a fronteira de Darfur com a Líbia pode fazer deste país uma importante fonte de armas, alimentos, combustível e combatentes para as RSF.
Uma reportagem recente da CNN e da All Eyes on Wagner seguiu o rasto de um avião de carga do Grupo Wagner desde a sua base na Líbia até uma base do Grupo Wagner na Síria e vice-versa, e depois até um aparente lançamento aéreo de armas sobre o noroeste do Sudão. As SAF destruíram a base das RSF onde o lançamento aéreo teve lugar.
Sangue ruim: O SLM/A e o JEM continuam activos na região e opõem-se a Hemedti e às RSF. Suliman Arcua “Minni” Minnawi, um antigo líder rebelde, é o governador do Darfur do Norte. Retirou as suas forças de Cartum quando os combates começaram, em Abril. Tanto o SLM/A como o JEM, liderado por Musa Hilal, antigo membro da Janjaweed, estão alinhados com as SAF e com al-Burhan.
Darfur é também a região natal do Ministro das Finanças do Sudão, Gibril Ibrahim, outro opositor de Hemedti. Com Minnawi e Hilal, poderia formar um bloco anti-Hemedti que complicaria a capacidade das RSF de se reagrupar em Darfur, segundo Khair.
O SLM/A e o JEM já se estão a posicionar como mediadores e protectores da população civil de Darfur, que inclui milhares de pessoas deslocadas internamente, segundo Jerome Tubiana, antigo analista sudanês do Grupo Internacional de Crise (GIC).
Entretanto, há sinais de que os civis estão a combater as RSF, embora não necessariamente a favor das SAF, segundo o analista do GIC, Shewit Woldemichael.
À medida que os combates entre al-Burhan e Hemedti prosseguem, aumenta o risco de o conflito envolver os grupos étnicos de Darfur, segundo Woldemichael. Até à data, não há sinais de que al-Burhan ou Hemedti estejam dispostos a recuar para evitar um maior derramamento de sangue.
“Parecem determinados a continuar a lutar, independentemente do elevado custo deste conflito,” disse Woldemichael ao podcast do GIC “The Horn.”