EQUIPA DA ADF
Os sistemas de governo democráticos são a escolha esmagadora do povo em África e outras partes.
Quase 69% da população africana apoia a governação democrática e mais de 75% da população do continente rejeita o governo militar, de partido único e de uma única pessoa.
O mais recente inquérito da rede de pesquisas Afrobarometer confirma que a maior parte das pessoas simples continua inflexível na sua preferência pela democracia e nos equilíbrios do poder oferecidos por instituições democráticas.
Mas décadas de progresso democrático arduamente ganho estiveram sob ataque com o regresso de golpes militares, com alguns líderes a defenderem o governo autocrático do “Homem Forte.”
O governo do Homem Forte pode ser definido como uma forma de governação autocrática que é altamente personalizada e pouco restringida por instituições como sistema judiciário independente, representantes eleitos e imprensa livre ou organizações da sociedade civil.
Então, quais são as marcas deste estilo de governação e como pode ser evitado?
RAÍZES COLONIAIS
O governo do Homem Forte é um desenvolvimento da história colonial de África, caracterizado por um líder nomeado, que não tolera a discordância. Os detractores, muitas vezes, são presos e silenciados.
No seu livro de 2019, “África Autoritária: Repressão, Resistência e o Poder das Ideias,” Nic Cheeseman e Jonathan Fisher escreveram que o colonialismo ensinou aos líderes tradicionais que eles podiam operar sem verificações e equilíbrios e, em alguns casos, sem qualquer direito à liderança. Os líderes coloniais inspiraram os que pretendem ser homens fortes a manobrar fraudulentamente as eleições e invalidar os resultados se não forem do seu agrado.
O sistema colonial, muitas vezes, deixou os países recentemente independentes com poucas instituições duradouras. Deixaram uma cultura de corrupção, coerção, abuso perpetrado por agentes de aplicação da lei e desrespeito pela vida humana. Sem nenhum modelo para a construção de democracias, o espaço estava preparado para que o Homem Forte pudesse emergir.
Para que um líder autoritário sobrevivesse, ele teria de implementar os mesmos mecanismos de opressão colonial como companheirismo, corrupção, subornos e violência.
Num relatório de 2016, os investigadores Camilla Houeland e Sean Jacobs, concordaram que o governo do Homem Forte é um produto directo do colonialismo.
“Os administradores coloniais utilizaram estruturas tradicionais africanas para ‘governo indirecto,’ mas os deformaram, através da promoção do poder do chefe ou do líder tradicional, em detrimento de mecanismos de controlos e equilíbrios pré-coloniais,” escreveram. “Os presidentes africanos pós-independência simplesmente aperfeiçoaram estes sistemas.”
As falhas do modelo do Homem Forte servem como uma narrativa de alerta para os líderes de golpes de Estado militares e de juntas que procuram prorrogar o seu governo. As falhas mais comuns do modelo resultam da falta de vontade e/ou capacidade para abordar os problemas políticos e económicos complexos que o país enfrenta.
PODER NÃO CONTROLADO
Os líderes de golpes de Estado e o Homem Forte encontram formas de continuar no poder a todo o custo. Eles, muitas vezes, utilizam afirmações duvidosas de insegurança e fraudes eleitorais como uma forma de permanecerem no poder. Mas quanto mais tempo se apegam ao poder, mais propensos são a tornarem-se isolados e inclinados a tomar más decisões.
“Décadas no exercício de uma função podem fazer com que um líder sucumba à megalomania ou paranóia,” escreveu Gideon Rachman para o The Guardian, em Abril de 2022. “A eliminação de controlos e equilíbrios, a centralização do poder e a promoção de um culto à personalidade fazem com que seja mais provável que um líder cometa um erro desastroso.”
No seu estudo de 2020, “Quebrando o Ciclo do Governo do Homem Forte em África,” o investigador Corey Watson disse que, por vários motivos, como histórias de trabalhismo e colonialismo, o governo do Homem Forte ficou implantado em algumas partes da África Subsaariana.
“Virtualmente, todos os governantes escolhem cuidadosamente aqueles que estarão próximos deles com base no potencial para lealdade, muitas vezes, em detrimento de competência,” escreveu. “Estes podem ser membros da família, membros da sua tribo ou membros da sua terra natal. Alguns governantes, de forma pacífica, executam as ambições destas lealdades, alguns compensam e outros concedem uma rotatividade de entrada e saída do poder, outros governam por medo e coerção e outros simplesmente confiam neles.”
Em última instância, escreveu Watson, a fidelidade a um Homem Forte vem com o seu preço: “Se ninguém está a ser pago pela sua lealdade ao Homem Forte, então, não existe incentivo para permanecer leal.”
O investigador Goran Hyden, ao descrever os ditadores, disse, “Os tiranos governam através do medo. Eles premeiam agentes e colaboradores e transformam-nos em mercenários. A tirania, em poucas palavras, destaca-se pela governação particularmente impulsiva, opressiva e brutal, que não tem respeito pelos direitos elementares das pessoas e bens.”
MÁS ALIANÇAS
O isolamento internacional, continental e regional resulta em opções diplomáticas ilimitadas para o Homem Forte. Quando opera num estágio global, ele encontra poucos parceiros disponíveis. Isso contribui para as mãos de alguns líderes globais que estão ansiosos por celebrar acordos com regimes párias.
Nos últimos anos, a Rússia procurou criar alianças com regimes autocráticos, em África, oferecendo armas e homens mercenários em troca de acesso a recursos naturais e outros favores.
“O Kremlin centrou-se em cortejar as elites: os senhores de guerra, os generais e os presidentes que governaram por um longo tempo, cujos desejos pessoais são mais simples e menos dispendiosos de satisfazer do que as necessidades dos seus povos ou das suas economias,” Simon Shuster escreveu para a revista Time.
À medida que a ligação cresce, o autocrata torna-se mais dependente da aliança para permanecer no poder. Isso aumenta a vantagem que países como a Rússia têm e o controlo que podem exercer.
INSTITUIÇÕES DECADENTES
O estilo de governação do Homem Forte não tende a levar a um governo eficiente. Para que os governos autocráticos resistam, eles devem depender de suborno, corrupção, companheirismo e violência. Isso pode ter efeitos de longo alcance sobre os esforços presentes e futuros da sociedade civil para a autogovernarão.
A gestão diária e a tomada de decisões de muitas instituições do Estado está fora do historial académico da maior parte dos homens fortes autocráticos. Áreas como saneamento, ensino, produção de energia, finanças, políticas monetárias, comércio e investimentos requerem ensino superior e experiência que não se encontra nas salas de aulas do exército.
A corrupção tende a florescer neste ambiente. O autocrata premeia as lealdades com nomeações para cargos poderosos, e os nomeados, por sua vez, procuram enriquecer-se, através do seu cargo de autoridade.
No seu relatório de 2019 sobre a África Subsaariana, a Transparency International (TI) indicou o autoritarismo como um factor significativo para a criação de um ambiente de corrupção.
“Embora um grande número de países tenha adoptado princípios democráticos de governação, vários ainda são governados por líderes autoritários e semi-autoritários,” comunicou a TI. “Os regimes autocráticos, conflitos civis, instituições fracas e sistemas políticos não responsivos continuam a prejudicar os esforços de combate à corrupção.”
Embora a TI tenha concluído que os países com melhor desempenho — Botswana, Cabo Verde e Seicheles — tendem a ter democracias vibrantes e instituições fortes, os países com menor desempenho tinham outras características ligadas a conflitos e autoritarismo.
“Muitos países com desempenho fraco possuem várias semelhanças, incluindo poucos direitos políticos, liberdade de imprensa limitada e um Estado de direito fraco,” comunicou a TI. “Nestes países, as leis, muitas vezes, não são aplicadas e as instituições possuem poucos recursos, com pouca habilidade de lidar com questões ligadas à corrupção. Para além disso, os conflitos internos e as estruturas de governação instáveis contribuem para as altas taxas de corrupção.”
ELEIÇÕES FRAUDULENTAS
Uma vantagem particularmente poderosa que o Homem Forte tem é que os sistemas eleitorais operam sob seu comando.
“Na prática, o presidente dita as regras, quebra-as e altera-as quando quer,” escreveu Houeland e Jacobs. “… Ele controla a contagem, vence as eleições e, na sequência, a polícia e o exército perseguem e intimidam a oposição, enquanto as campanhas do presidente continuam ininterruptas. Para além disso, igualar a vontade popular com a pessoa de presidente é fundamental. O presidente é sempre patriota e é apenas o presidente que está disposto e é capaz de fazer o que é necessário.”
Em cenários como estes, a presidência pode tornar-se um negócio de família, uma vez que não existe futuro ou ganho monetário fora da política. A acumulação de riquezas e as oportunidades de negócios estão ligadas ao controlo do Estado. Quando o Homem Forte termina o seu mandato, ele perde a capacidade de gerir os contratos ou obter uma parte dos lucros. Depois do período do exercício das suas funções, o antigo presidente e os seus aliados correm o risco de serem processados por desvio de fundos ou por violações de direitos humanos.
Existe uma percepção incorrecta de que muitas pessoas em países africanos valorizam mais o desenvolvimento em relação à democracia e estão dispostos a trocar os seus direitos políticos pelo governo de um Homem Forte que pode fazer com que as coisas aconteçam. Esta crença, de acordo com Cheeseman e o historiador Dr. Sishuwa Sishuwa demonstrou ser “durável apesar de ser errada.”
Socorrendo-se de dados do inquérito recolhidos entre 2016 e 2018, Cheeseman e Sishuwa concluíram que as “grandes maiorias”, em países africanos, pensam que a democracia é o melhor sistema político. O estudo concluiu que um apoio generalizado por uma forma de democracia consensual que “combina um forte compromisso com a responsabilização política e liberdades civis com uma preocupação pela unidade e estabilidade.”
“É tanto enganador como complacente sugerir que a democracia, de alguma forma, foi imposta pela comunidade internacional contra os desejos das pessoas simples,” escreveram os autores. “Em vez disso, exigiu-se e lutou-se por ela a partir de baixo.”
QUATRO CHAVES DA PREVENÇÃO
Cheeseman, um professor da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, disse que existem quatro coisas fundamentais que um país deve ter para prevenir o governo do Homem Forte.
• Deve-se desenvolver instituições que possam ser autónomas do executivo. “Isso é difícil, mas pode ser feito,” disse à ADF via e-mail.
• A população deve ser educada. “O ensino primário gratuito tem sido um reforço para a democracia, mas aumentar a qualidade e a duração do ensino seria bom,” observou.
• É necessário ter uma classe média independente, que não depende dos empregos e contratos do governo. O país também deve ter centros de poder económico, como proprietários de empresas independentes que não estejam aliados ao partido no poder.
• Deve-se criar uma tradição de democracia. Quando as pessoas investem na sua democracia por causa da sua história partilhada e sacrifício, elas ficam mais inclinadas a permanecer vigilantes e protegê-la. “As democracias precisam de mitos de fundação, momentos em que as pessoas saem para protestar e forçar mudanças,” escreveu Cheeseman.