Há quase nove meses, o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido do Sudão opera o seu próprio governo no oeste — um governo que tem sido ignorado pelas autoridades internacionais, mas que corre o risco de agravar ainda mais a crise no Sudão, segundo observadores.
“Os governos paralelos, como se vê em todo o mundo, muitas vezes, minam os esforços de paz, exacerbam as crises e resultam num Estado frágil e enfraquecido,” o analista sudanês Gehad Ahmed escreveu para a Democracy in Africa. “Para o Sudão, esta medida corre o risco de prolongar a guerra em vez de a terminar.”
O sistemas da RSF, apelidado de “Governo da Paz e da Unidade,” é liderado pelo chefe das RSF, o General Mohamed Hamdan “Hemedti” Dagalo. Hemedti é o antigo aliado que agora é rival do presidente de facto do Sudão, o General Abdel Fattah al-Burhan, chefe das Forças Armadas do Sudão (SAF).
Com cada lado apoiado por forças externas — a Turquia apoia as SAF e os Emirados Árabes Unidos (EAU) apoiam as RSF —, a guerra parece ter chegado a um impasse. O país está efectivamente dividido quase ao meio entre as duas forças.
A queda de el-Fasher e do Darfur do Norte em Outubro consolidou o controlo das RSF sobre toda a região de Darfur, no oeste do Sudão. As RSF recentemente estenderam o seu controlo ao triângulo noroeste do Sudão, com a Líbia e o Egipto. A região fica num corredor de transporte importante da região de al-Kufra, no sul da Líbia, proporcionando às RSF acesso irrestrito a apoio externo.
Da sua base em Nyala, capital do Darfur do Sul, Hemedti declarou que o seu governo paralelo governa as áreas do Sudão que controla. O governo de Cartum rejeitou a afirmação de Hemedti como um “governo fantasma” que não tem capacidade para administrar qualquer território.
“Não creio que exista qualquer governo racional que possa reconhecer de alguma forma este chamado governo paralelo de Nyala,” o Ministro dos Negócios Estrangeiros sudanês, Omar Mohamed Ahmed Siddig, disse à TRT Afrika da Turquia.
Os ataques das RSF a civis, que incluem relatos de violações e execuções, tornaram insustentável a posição da milícia como governo competente, ao mesmo tempo que dificultaram a resolução do conflito, acrescentou Siddig.
“A história mostra-nos que a formação de um governo paralelo alimenta o conflito, agrava a crise humanitária e, em última análise, conduz a um Estado frágil ou falhado,” Ahmed escreveu para a Democracy in Africa.
Ela citou Angola, a Líbia e a Somália como exemplos de países onde a decisão dos grupos rebeldes de estabelecer governos paralelos exacerbou as divisões em detrimento do país. Em Angola, a divisão durou 27 anos. Na Líbia e na Somália, as divisões continuam, apesar dos esforços para reunir os países.
No caso da Somália, o al-Shabaab tentou estabelecer um governo paralelo em regiões fora do controlo do governo. O Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM) está a seguir um modelo semelhante em partes do Burquina Faso e do Mali.
Apesar da sua falta de legitimidade, o autoproclamado governo paralelo dsa RSF recebe apoio de traficantes, do crime organizado transnacional e de outras actividades ilícitas, de acordo com o analista Ruben de Kong, da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional (GI-TOC).
A investigação da GI-TOC mostra que as RSF recebem apoio de aliados nos Emirados Árabes Unidos, juntamente com o Marechal líbio, Khalifa Haftar, e o Grupo Wagner da Rússia (agora Africa Corps) que opera na República Centro-Africana. As RSF também contrabandeiam ouro através do Sudão do Sul para mercados nos Emirados Árabes Unidos.
O analista Amgad Fareid Eltayeb, do grupo de reflexão sudanês Fikra for Studies and Development, considera que a tentativa de Hemedti de criar um governo paralelo tem menos a ver com a administração do território do que com garantir um lugar para si próprio em quaisquer negociações futuras relativas ao Sudão.
“Ao anunciar uma estrutura governamental, as RSF estão a tentar forçar a sua entrada nas discussões internacionais, não como uma milícia a ser desarmada, mas como um interveniente político,” Eltayeb disse ao serviço noticioso alemão Deutsche Welle. “Por trás disso está uma manobra cuidadosamente planeada e profundamente política, com consequências de longo alcance para a batalha narrativa sobre a legitimidade, a governação e o envolvimento internacional na guerra catastrófica do Sudão.”
