Nas passagens fronteiriças do Uganda com o Quénia e a Tanzânia, todos os veículos que entram no país recebem uma nova matrícula que permite ao governo rastreá-los e monitorizar a actividade do condutor.
Os veículos estrangeiros juntam-se a dezenas de milhares de carros ugandeses, camiões e motociclos que, desde Janeiro, foram equipados com as chamadas matrículas digitais ao abrigo de um contrato de 10 anos que o governo assinou em 2023 com a Joint Stock Company Global Security, sediada na Rússia.
A empresa russa controla o sistema, conhecido como Intelligent Transport Monitoring System (ITMS), e é paga através de taxas elevadas por cada matrícula e multas igualmente pesadas aplicadas aos veículos apanhados em excesso de velocidade nas ruas de Kampala.
O sistema incorpora em cada matrícula um chip de identificação por radiofrequência (RFID) que permite ao governo rastrear o veículo em tempo real. Um código QR impresso na matrícula fornece à polícia detalhes imediatos sobre o veículo e o condutor durante uma abordagem.
As autoridades governamentais afirmam que o sistema, que se integra na rede de televisão em circuito fechado de Kampala, fabricada na China, foi concebido para melhorar a segurança rodoviária e reduzir crimes como o roubo de automóveis. O sistema ajudou o governo a devolver 32 carros roubados e 13 motociclos aos seus legítimos proprietários até agora este ano.
Os críticos observam que o sistema conectado dá às empresas russas e chinesas amplo acesso à rede de vigilância do Uganda e aos dados que ela fornece. Eles acrescentam que o sistema carece das salvaguardas necessárias para impedir que o governo o transforme numa rede de vigilância que pode ser usada para reprimir grupos de direitos humanos, dissidentes e críticos do governo.
“No caso do Uganda, onde carecemos de salvaguardas legais e institucionais robustas, o ITMS corre o risco de se tornar menos uma questão de segurança rodoviária e mais uma questão de vigilância,” Brian Byaruhanga, responsável pela área de tecnologia da Collaboration on International ICT Policy for East and Southern Africa, disse à revista ugandesa The Independent, que recentemente investigou o sistema.
Outros apontam que a Rússia pode estar a incentivar outros países a seguir o seu exemplo e a usar a tecnologia para monitorizar e controlar as acções dos cidadãos.
“O próprio aparato de vigilância da Rússia tem sido usado como arma contra activistas e jornalistas,” o analista Richard Ngamita escreveu recentemente para a organização da sociedade civil Thraets, que promove a tecnologia em apoio à democracia.
Uma coisa é certa: o sistema é uma potencial fonte de rendimento para os seus proprietários russos, enquanto constitui uma provável ameaça à privacidade e aos dados pessoais do Uganda.
Cada matrícula digital custa ao proprietário do veículo mais de 205 dólares, cerca de 20 vezes o rendimento diário de um motorista de boda-boda, os omnipresentes mototáxis de Kampala, a capital do Uganda. Os motoristas que não instalarem uma matrícula digital correm o risco de serem multados.
Além disso, os motoristas nas estradas de Kampala podem ser multados em quase 60 dólares por infracções de trânsito menores, como violar o limite de velocidade nas estradas locais. As multas são geradas automaticamente pelo Sistema de Penalidades Expressas ITMS e enviadas aos motoristas por meio de alertas móveis. O sistema revelou-se tão controverso que foi suspenso no início deste ano, depois de os condutores se terem queixado da magnitude das penalizações, bem como dos erros de dados do sistema e dos sinais de limite de velocidade contraditórios.
Os críticos argumentam que, para além da aplicação da segurança, o ITMS e o Express Penalty System são principalmente fontes de receita para o empreiteiro russo. A falta de transparência sobre o contrato, a empresa e o controlo dos dados pessoais dos ugandeses também levantou suspeitas entre críticos e defensores de direitos humanos.
“Quem audita a Global Security?” Ngamita perguntou no canal da rede social BlueSky. “O que impede que esses dados sejam vendidos a terceiros ou usados para perseguir figuras da oposição?”
O Ministério de Obras e Transportes recusou-se a fornecer aos repórteres da The Independent acesso ou mesmo a localização da fábrica no bairro de Kampala, Kawempe, onde a Joint Stock Company Global Security emprega ugandeses para fabricar placas digitais.
“Esta fábrica funciona como um centro de distribuição crítico, tornando uma empresa estrangeira a guardiã de um sistema de segurança nacional,” escreveu recentemente Ian Katusiime, repórter da The Independent.
A mesma empresa russa substituiu a empresa ugandesa GM Tumpeco para equipar os veículos que chegam com matrículas digitais nas passagens fronteiriças de Malaba e Mutukula. A The Independent estima que a empresa russa instalou 27.000 matrículas digitais em veículos só no mês de Julho.
“Os cidadãos precisam de saber quais os dados que são recolhidos e como são utilizados,” afirmou Byaruhanga. “Sem uma supervisão independente, os sistemas de vigilância como o ITMS podem facilmente ser utilizados contra as mesmas pessoas que pretendem proteger.”
