Quando os manifestantes enchiam as ruas de Antananarivo e de outras cidades de Madagáscar, John J. Chin observava atentamente.
Ele viu a raiva pela corrupção do governo, as falhas diárias de energia e a escassez crónica de água. O que começou em Setembro como manifestações lideradas por jovens escalou para exigências de reformas e a renúncia do presidente Andry Rajoelina.
Chin estudou e escreveu sobre golpes de 1946 a 2025. O professor assistente da Universidade Carnegie Mellon lidera uma equipa de investigação que compila dados sobre tipos e características de golpes de Estado. A sua investigação mostra que os golpes de Estado diminuíram em todo o mundo.
“[No entanto], o risco de golpes de Estado continua relativamente alto em África. Desde 2020, o continente já viu 10 golpes de Estado bem-sucedidos em oito países,” escreveu num artigo de 16 de Outubro para o The Conversation Africa.
“Mas a tomada do poder pelos militares em Madagáscar marca apenas o segundo golpe nesse período a ocorrer fora da região do Sahel, que se estende do Atlântico ao Corno de África — um sinal de que o problema dos golpes de Estado em África está a tornar-se um problema continental.”
Embora existam diferenças contextuais críticas entre os golpes no Sahel e a revolta em Madagáscar, todos os golpes partilham uma série de causas fundamentais e têm consequências semelhantes a longo prazo.
Samir Bhattacharya, investigador associado da Observer Research Foundation, destacou o movimento juvenil que desencadeou a destituição de Rajoelina, ao qual chamou de um golpe de Estado disfarçado de revolução.
“A turbulência política e os golpes de Estado não são estranhos à política malgaxe,” escreveu num ensaio publicado no dia 1 de Novembro no site da fundação. “Desde que conquistou a independência em 1960, o país sofreu vários golpes e intervenções militares, muitas vezes, motivados pelo descontentamento devido à corrupção e às dificuldades económicas.”
Uma unidade de elite do exército malgaxe chamada CAPSAT levou Rajoelina ao poder num golpe de 2009, mas a sua liderança foi marcada por acusações de corrupção, repressão e democracia falsa. A taxa de pobreza entre a população aumentou de 75% para 80% sob o governo de Rajoelina.
Ironicamente, a mesma unidade militar colocou o seu líder, o Coronel Michael Randrianirina, no cargo de presidente interino no dia 14 de Outubro. Ele prometeu organizar uma reforma nacional nos próximos dois anos.
“A tomada do poder pela CAPSAT representa um golpe de Estado em linha com os golpes correctivos aparentemente destinados a mudar a trajectória do Estado,” escreveu o cientista político Juvence F. Ramasy numa análise de 3 de Novembro para a ConstitutionNet. “Os militares legitimaram a intervenção como uma solução da má gestão política, económica e social de Rajoelina.”
Tal como os golpes no Sahel, o novo governante militar em Madagáscar tomou o mais alto cargo político sob o pretexto de restaurar a ordem. Mas o clamor público por mudanças é diferente. No Sahel, a insegurança causada pelo terrorismo desenfreado foi a causa mais proeminente dos golpes. Em Madagáscar, foi uma onda de indignação com a economia e um governo indiferente.
Ramasy, professor da Universidade de Toamasina, em Madagáscar, alertou que o descontentamento público geralmente cresce devido à ausência prolongada de representação democrática, e as juntas inevitavelmente perdem legitimidade.
Ao entrar na política e na governação, os militares estão a minar a legitimidade do governo de transição e a confiança nas forças armadas como instituição que serve o povo e os seus líderes eleitos.
As intervenções militares são consideradas uma traição ao ethos e aos princípios das forças profissionais — neutralidade política e controlo civil.
Investigadores de golpes de Estado, como Chin, vêem um ciclo perigoso de golpes bem-sucedidos que inspiram outros líderes militares a tomar e depois abusar do poder.
“Os governos africanos pós-golpe estão a permanecer no poder por mais tempo, o que, por sua vez, encoraja os golpistas de outros lugares que vêem um ambiente mais permissivo,” escreveu. “Portanto, mesmo que haja limites para o ‘contágio de golpes’ em África, Madagáscar provavelmente não será o último dominó a cair, dadas as condições estruturais do continente.”
