Empresas estatais chinesas detêm participações em cerca de 78 dos 231 portos africanos, uma presença que levanta preocupações sobre a soberania nacional e os planos da China de expandir a sua presença militar.
Os empreendimentos portuários da China estão concentrados em 32 países africanos. A África Ocidental conta com 35, em comparação com 17 da África Oriental, 15 da África Austral e 11 da África do Norte. Em contrapartida, a América Latina e as Caraíbas contam com 10 portos construídos ou operados pela China. Os países asiáticos têm 24.
O expansivo empreendimento portuário da China em África levanta preocupações sobre a possibilidade de reutilização de portos comerciais para fins militares, dada a estreita relação entre as empresas chinesas de construção portuária e o Exército Popular de Libertação (PLA) da China. O empreendimento portuário de Doraleh, no Djibouti, há muito promovido como um empreendimento puramente comercial, foi ampliado para acomodar uma instalação naval em 2017. Ele tornou-se a primeira base militar chinesa no exterior conhecida dois meses após a inauguração do porto principal. Há uma especulação generalizada de que a China pode replicar esse modelo para futuros acordos de base em outros lugares do continente.
Isso levanta preocupações sobre os objectivos geoestratégicos mais amplos da China com o empreendimento portuário e alimenta a aversão generalizada dos africanos a serem arrastados para rivalidades geoestratégicas. Há também uma crescente cautela em acolher mais bases estrangeiras em África. Isso sublinha o interesse crescente em examinar o empreendimento portuário da China e os cenários de bases militares de dupla utilização.
Em alguns locais, as empresas chinesas partilham a propriedade e dominam empresas de empreendimento portuário através de financiamento, construção e operações. Grandes conglomerados, como a China Communications Construction Corp., vão ganhar trabalhos como empreiteiros principais e distribuir subcontratos a subsidiárias, como a China Harbor Engineering Co. (CHEC).

É o caso de um dos portos mais movimentados da África Ocidental, o Lekki Deep Sea Port, na Nigéria. A CHEC fez a construção e a engenharia, garantiu financiamento do Banco de Desenvolvimento da China e adquiriu 54% do capital financeiro do porto, que opera sob um contrato de arrendamento de 16 anos, embora o terminal seja operado por uma empresa francesa, a CMA CGM.
A China ganha cerca de 13 dólares americanos em receitas comerciais para cada dólar investido em portos. Uma empresa detentora de um contrato de arrendamento operacional ou concessão não só colhe os benefícios financeiros de todo o comércio que passa por esse porto, como também pode controlar o acesso. O operador atribui cais, aceita ou recusa escalas e pode oferecer tarifas e serviços preferenciais para os navios e cargas do seu país. O controlo das operações portuárias por um agente externo levanta questões óbvias de soberania e segurança. É por isso que alguns países proíbem operadores portuários estrangeiros por motivos de segurança nacional.
As empresas chinesas detêm concessões de exploração em 10 portos africanos. Apesar dos riscos de perda de controlo, a tendência é privatizar as operações portuárias para melhorar a eficiência. Estima-se que os atrasos e a má gestão dos portos africanos aumentem os custos de manuseamento em 50% em relação às taxas globais. No entanto, a maioria das concessões e contratos de operação concedidos em África e noutros locais exigem acesso aberto, para que os operadores de superfície não possam conceder acesso especial a interesses nacionais.
O Plano por Trás da Estratégia Portuária da China
As prioridades estratégicas da China em relação aos portos estrangeiros estão definidas nos seus Planos Quinquenais. O Plano Quinquenal de 2021 a 2025 fala de uma “estrutura de conectividade de seis corredores, seis rotas e vários países e portos” para avançar com a construção da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR). Notavelmente, três desses seis corredores atravessam África, chegando à África Oriental (Quénia e Tanzânia), Egipto e região de Suez, e Tunísia. Isso reforça o papel central que o continente desempenha nas ambições globais da China. O plano articula uma visão para transformar a China “num país marítimo forte” — parte da sua ambição maior de ser vista como uma grande potência.

O foco da China no empreendimento portuário africano foi facilitado pela estratégia “Go Out,” uma iniciativa governamental para fornecer apoio estatal — incluindo enormes subsídios — a empresas estatais para conquistar novos mercados, sobretudo no mundo em desenvolvimento. A ICR, o esforço global da China para conectar novos corredores comerciais à sua economia, é um produto da Go Out, por vezes, referida como “Go Global.”
África tem sido uma característica central da estratégia Go Out, onde a infra-estrutura portuária era um grande impedimento para a expansão do comércio entre a África e a China. Os pesados subsídios do governo chinês e o apoio político incentivaram os transportadores e construtores portuários chineses a buscar pontos de apoio no continente. Eles beneficiaram-se dos fortes laços governamentais e partidários que a China cultivou ao longo do tempo. A África tornou-se altamente atraente para as empresas estatais chinesas, apesar dos muitos riscos de fazer negócios no continente.
A estratégia de empreendimento portuário da China também ligou os 16 países sem litoral da África através de infra-estruturas de transporte interior construídas pela China, o que ajuda a levar bens e recursos para o mercado e vice-versa.
As empresas chinesas também aproveitaram as oportunidades para exportar as suas tecnologias e conhecimentos especializados. Posicionaram-se como actores dominantes na construção de infraestruturas de exportação das quais os países africanos passaram a depender cada vez mais para realizar o comércio externo. Isso cria vantagens políticas para a China. Como afirmou um diplomata sénior da União Africana, “a dependência africana das infra-estruturas de exportação chinesas torna os países africanos mais receptivos a apoiar os interesses globais da China e menos inclinados a tomar partido contra ela ou a apoiar sanções.”
A crescente presença da China nos portos africanos também promove os seus objectivos militares. Alguns dos 78 portos em que as empresas chinesas estão envolvidas podem receber navios da Marinha do Exército Popular de Libertação. Outros podem atracar navios da Marinha do Exército Popular de Libertação em escalas portuárias.
Alguns desses portos têm sido palco de exercícios militares do Exército Popular de Libertação. Entre eles estão os portos de Dar es Salaam (Tanzânia), Lagos (Nigéria), Durban (África do Sul) e Doraleh. As tropas chinesas também utilizam instalações navais e terrestres para alguns dos seus exercícios, incluindo a Base Naval de Kigamboni, na Tanzânia, o Centro de Formação Militar Abrangente de Mapinga e a Base Aérea de Ngerengere — todos construídos por empresas chinesas. A Escola Técnica de Guerra de Awash Arba tem servido um propósito semelhante na Etiópia, tal como as bases doutros países. No total, o PLA realizou 55 escalas portuárias e 19 exercícios militares bilaterais e multilaterais em África desde 2000.
Para além dos compromissos militares directos, as empresas chinesas tratam da logística militar em muitos portos africanos. Por exemplo, a empresa estatal chinesa Hutchison Ports tem uma concessão de 38 anos da Marinha Egípcia para operar um terminal na Base Naval de Abu Qir.
Tem havido muita especulação e debate sobre qual destes portos poderá ser o local das bases militares chinesas adicionais, além de Doraleh. Embora os dados disponíveis e a compreensão dos critérios de tomada de decisão sejam limitados, certas medidas fornecem algumas pistas.
Como se viu no empreendimento de Doraleh, em que as empresas chinesas detinham 23% das participações, a dimensão da participação chinesa por si só é um factor inadequado. No entanto, é digno de nota que as empresas chinesas detenham participações de 50% ou mais nestes portos da África Ocidental: Lekki (54%); e Lomé, Togo (50%).
O envolvimento anterior do PLA é uma outra consideração. Dos 78 portos africanos com envolvimento chinês conhecido, 36 receberam escalas do PLA ou exercícios militares. Isso demonstra que eles têm características de projecto para apoiar esquadras navais chinesas, tornando-os potencialmente adequados para futuras bases da Marinha do PLA.
No entanto, nem todos têm especificações físicas comprovadas para atracar navios do PLA. Esses factores incluem o número de cais, comprimento e tamanho dos cais e capacidade de abastecimento, reabastecimento e outros serviços logísticos.
Além das especificações físicas, há considerações políticas, como localização estratégica, a força dos laços partidários de um governo com a China, a sua classificação no sistema de priorização de parcerias da China, participação na rede da ICR da China e níveis de investimento estrangeiro directo chinês e activos chineses de alto valor. Comumente ignorada, mas não menos importante, é a força e a capacidade da opinião pública de moldar as decisões locais.

Quais Interesses são Promovidos?
O antigo comandante da Marinha do PLA, Wu Shengli, observou que os portos “estratégicos do exterior” sempre foram vistos como plataformas para construir uma presença chinesa integrada. Em outras palavras, a China tem sido altamente estratégica no desenvolvimento e gestão dos portos africanos para promover os seus interesses como parte das suas ambições geoestratégicas. Olhando para o futuro, é de se esperar que a China busque aumentar o seu papel na construção de portos africanos para expandir a sua propriedade e controlo operacional com fins comerciais, económicos e militares.
Os debates africanos sobre as infra-estruturas portuárias construídas ou operadas pela China tendem a centrar-se no impacto que estes portos podem ter na promoção da produção económica africana, melhorando a eficiência, reduzindo os custos do comércio e expandindo o acesso aos mercados. Embora sejam levantadas algumas preocupações quanto às implicações destes projectos no aumento do endividamento de África, raramente estas discussões abordam publicamente a soberania ou a segurança, ou o papel que as plataformas comerciais poderiam desempenhar nos cenários de implantação de bases chinesas.
O ritmo acelerado dos exercícios militares e das escalas navais da China em África nos últimos anos tem chamado cada vez mais a atenção para estas questões nos meios de comunicação social, nos grupos de reflexão e nos debates políticos africanos. A crescente militarização da política africana da China está a alimentar preocupações sobre as implicações de mais bases estrangeiras em África. Alguns receiam que os cenários de implantação de bases chinesas possam inadvertidamente arrastar os países africanos para as rivalidades geopolíticas da China, minando o compromisso declarado do continente com o não alinhamento.
Garantir que os investimentos portuários chineses não vão contra os interesses africanos exigirá que os governos africanos, especialistas em segurança nacional e líderes da sociedade civil enfrentem as implicações políticas dessas escolhas. Além do desejo directo de expandir a infra-estrutura de exportação, há questões tangíveis de manter a prudência fiscal, salvaguardar a soberania nacional, evitar alinhamentos geopolíticos e promover os interesses estratégicos de um país.
Sobre o autor: Paul Nantulya é investigador associado do Centro de Estudos Estratégicos de África. As suas áreas de especialização incluem a política externa chinesa, as relações China-África, as parcerias africanas com países do Sudeste Asiático, a mediação e os processos de paz, a região dos Grandes Lagos e a África Oriental e Austral. A versão original deste artigo foi publicada pelo Africa Center com o título “Mapping China’s Strategic Port Development in Africa (Mapeamento do Desenvolvimento Estratégico Portuário da China em África).” O artigo pode ser lido aqui: https://africacenter.org/spotlight/china-port-development-africa/
Controlo Chinês Exporta Riqueza E Importa Problemas
O envolvimento chinês nos portos africanos vai além de questões políticas e militares. O controlo que a China exerce em todas as fases do desenvolvimento e das operações também pode afectar negativamente a vida dos cidadãos em todo o continente.
Começa com o que o especialista marítimo Ian Ralby chama de “captura da elite,” através da qual a China tenta cooptar autoridades-chave, que, por sua vez, renunciam aos seus deveres fiduciários e governamentais em benefício próprio. Já que a China enfraquece “as estruturas de governação de um país, abre as portas para tudo o mais,” afirmou.
Ralby, PCA da I.R. Consilium, uma consultoria mundial em assuntos marítimos e recursos, disse à ADF que, dado que a China controla os portos, pode controlar o que entra e sai do continente — tudo em benefício próprio. “É aí que temos de ser muito claros: os investimentos chineses no exterior nunca são altruístas,” frisou. “Nunca são para o desenvolvimento e a ajuda em benefício da jurisdição em que operam. São para o desenvolvimento, benefício e avanço da própria China.”
Os países primeiro perdem a soberania por meio de acordos de empréstimos escandalosos para financiar infra-estruturas, incluindo portos. Depois de fechados os acordos portuários, a China traz os seus próprios trabalhadores e operadores, excluindo os locais. Alguns destes trabalhadores são prisioneiros políticos. Depois de construídos os portos, as áreas ao seu redor podem atrair elementos indesejáveis, como prostituição e negócios predatórios. A China não faz nada para mitigar isso, explicou Ralby.
Depois de estar no controlo, a China pode abrir os países ao comércio ilícito de drogas, armas e até mesmo pessoas. Mas não se trata apenas do que a China traz. Esta também usa o controlo portuário para retirar coisas do país, como minerais valiosos e recursos da vida selvagem, disse Ralby.
A pegada daquele país no continente inclui a pilhagem em grande escala de recursos pesqueiros, a extracção de madeira e a exploração florestal, o comércio de animais selvagens e as operações de mineração.
“Ela monopolizou a sua capacidade de extrair do continente africano e transportar o que extraiu por estradas que construiu, para um porto que construiu e opera, para navios que possui e opera, de volta para a China, com o objectivo final de promover o avanço do país,” disse Ralby.
Pode ser tentador pensar que instalações portuárias modernas e melhoradas são uma bênção para os países anfitriões. Mas o envolvimento da China em todos os níveis, particularmente nas operações e na gestão, torna essas instalações mais benéficas para a China. Por exemplo, os portos africanos tendem a ser relativamente pequenos, o que pode causar filas de até 30 navios às vezes. Se uma empresa chinesa possui ou opera o porto, ela pode permitir que os navios chineses não fiquem na fila, beneficiando-os injustamente em detrimento dos navios nacionais ou de outros países.
Outra grande preocupação são as ramificações da criação de outra base naval pela China no continente, principalmente na costa ocidental africana. Uma coisa parece certa, disse Ralby: Os países africanos não devem esperar nenhum benefício directo para a segurança com o aumento da presença militar chinesa. Embora a China tenha uma base em Doraleh, no Djibouti, a sua Marinha “não respondeu a um único incidente” no Mar Vermelho enquanto os rebeldes Houthis causavam estragos, explicou.
Ralby disse que as evidências disponíveis mostram que a Marinha Chinesa não tem competência nem vontade de ajudar os países parceiros em momentos de perigo.
O que os países africanos podem esperar da China, segundo Ralby, é que ela “garanta a segurança das suas próprias cadeias de abastecimento,” enquanto extrai recursos valiosos do continente, permitindo que a China avance e “proporcione protecção contra os esforços internos para fazer cumprir o Estado de direito.”

