As milícias voluntárias do Burquina Faso foram criadas para complementar a luta do governo contra a crescente ameaça terrorista. Ao longo da fronteira com a Costa do Marfim, no entanto, esses milicianos estão a ameaçar a segurança dos civis em ambos os lados da fronteira.
Quase 70.000 cidadãos burquinabês fugiram das suas comunidades para se refugiarem no norte da Costa do Marfim. Muitos deles são pastores Fulani, o grupo étnico alvo das milícias conhecidas como Voluntários para a Defesa da Pátria (VDP), porque muitos terroristas que operam no campo também são Fulani.
Há uma ligação directa entre a decisão da junta governativa de aumentar as fileiras dos combatentes dos VDP e o ataque aos cidadãos Fulani, levando ao afluxo de refugiados na Costa do Marfim, de acordo com Jean-Baptiste Zongo, um analista de segurança independente burquinabê radicado na Costa do Marfim.
“O nosso país está em crise e as autoridades actuais acham que dar armas às pessoas para matar um grupo inteiro é a solução,” Ali Barry, um enfermeiro Fulani, disse ao jornal The New York Times. Barry fugiu da sua aldeia no Burquina Faso em Dezembro de 2022, depois de milicianos terem executado vários vizinhos.
Para as pessoas que vivem e trabalham no norte da Costa do Marfim, a ameaça dos VDP está sempre presente.
“É possível encontrar VDPs em qualquer lugar ao longo desta fronteira,” Vincent Baret, um inspector veterinário, disse à Agence France-Presse (AFP). “Como funcionário público, não posso sair para o mato.”
Os combatentes dos VDP sequestraram seis funcionários públicos da Costa do Marfim numa aldeia do norte em Agosto e os levaram de volta para o Burquina Faso.
As autoridades da Costa do Marfim aumentaram a segurança e o pessoal militar nas províncias do norte em resposta à insegurança. Isso parece ter eliminado as incursões de terroristas e ajudado a vida a voltar ao normal — quase.
Os residentes perto da fronteira estão constantemente cientes de que terroristas armados estão a apenas alguns quilómetros de distância, do outro lado de uma fronteira mal definida.
“Paramos de trabalhar no meio da tarde. Nunca conduzimos à noite,” um aldeão disse à AFP.
Os agricultores que costumavam trabalhar nos campos do outro lado da fronteira, no Burquina Faso, abandonaram por medo de encontrar terroristas ou milícias dos VDP.
“Antes, costumávamos ir a Burquina para colher trigo, milho e cereais. Agora não atravessamos a fronteira,” Abdelrahman Ouatarra, um residente de Tougbo, disse à AFP.
Os ataques dos VDP aos pastores Fulani reduziram o volume do comércio transfronteiriço entre o Burquina Faso e a Costa do Marfim, particularmente nos mercados de gado. O negócio caiu para cerca de um quarto do normal.
“O problema agora são os VDP. Não podemos negociar com eles,” Traore Lacina, chefe da associação de comerciantes de Doropo, disse à AFP.
Centenas de Fulani levaram o seu gado para outras áreas de pastagem para escapar à perseguição. Outros milhares abandonaram as suas residências para procurar abrigo na Costa do Marfim.
Mesmo com as autoridades da Costa do Marfim a manterem os terroristas afastados, a situação é agravada pelos jovens — tanto burquinabês como costa-marfinenses — que atravessam a fronteira para o Burquina Faso para se juntarem aos VDP, aumentando a ameaça potencial dos membros da milícia.
“Os nossos soldados têm de lidar com os VDP todos os dias,” Baret disse à AFP. “São apenas milicianos analfabetos, mas mantêm-nos ocupados. E agora preocupam-nos mais do que os jihadistas.”
