Os postos de gasolina na capital da República Centro-Africana (RCA), Bangui, são um bom indicador de um país em crise de combustível. Muitas vezes, estão vazios ou rodeados por longas filas de veículos e motociclos à espera de um posto de abastecimento em funcionamento.
Diodone Mangaï, um funcionário público, chegou a um posto às 8 horas da manhã para encher o seu tanque, mas saiu de mãos vazias.
“Dizem-nos que já não há combustível, que temos de esperar ainda mais tempo,” disse ao Corbeau News Centrafrique. “Não posso ir trabalhar e, esta noite, não sei como vou buscar os meus filhos à escola. Esta escassez está a matar-nos lentamente.”
O combustível tornou-se uma arma de guerra e uma fonte de riqueza ilícita na RCA, com os mercenários do famoso Grupo Wagner da Rússia a impulsionar esta nova dinâmica, de acordo com um novo relatório da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional (GI-TOC).
“O Grupo Wagner … construiu uma cadeia paralela de abastecimento ilícito de combustível na RCA para sustentar operações militares conjuntas mortais com as Forças Armadas da República Centro-Africana (FACA) e facilitar a mineração ilegal,” lê-se no relatório de 6 de Novembro. “Uma das suas empresas-fantasma agora actua como principal fornecedora de combustível do exército, importando através dos Camarões.”
Através de investigação, reportagens investigativas e entrevistas, a GI-TOC desvendou um grupo de mercenários russos, cidadãos estrangeiros, funcionários públicos cúmplices e cidadãos com ligações políticas que consolidou o controlo sobre o sector formal de combustíveis da RCA e operava “de forma semelhante a um cartel.”
Esta rede mantém artificialmente os preços dos combustíveis elevados para maximizar os lucros. A GI-TOC calculou que, em 2024, o grupo gerou entre 17,5 milhões e 30 milhões de dólares em “receitas excedentes que foram divididas através de um esquema piramidal de subornos bem organizado.”
Os combatentes do Grupo Wagner actuam como serviço de segurança pessoal do presidente Faustin-Archange Touadéra desde 2018, apoiando efectivamente o seu frágil governo. Os mercenários russos ainda administram negócios e empresas-fantasma criadas na RCA pelo falecido fundador do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin. Eles ganham centenas de milhões de dólares com a mineração de ouro e diamante, o tráfico de armas, a extracção ilegal de madeira e outras fontes.
O domínio do Grupo Wagner sobre o combustível reflecte um aprofundamento do entrincheiramento institucional num país e num governo já irritados com as acusações de captura do Estado por parte de funcionários e agentes russos.
“Desde o final de 2018, o Grupo Wagner estabelece uma robusta rede transnacional de combustível na RCA, evoluindo de operações informais de contrabando para um sistema mais estruturado, ancorado em empresas-fantasma, comerciantes licenciados e isenções concedidas pelo governo,” afirmou a GI-TOC.
O povo centro-africano está cada vez mais irritado com a escassez de combustível, os preços e os relatos alarmantes sobre a diminuição das receitas do governo.
“À medida que as filas aumentam e os motores permanecem parados, surge uma exigência: transparência,” o Corbeau News escreveu num editorial de Abril. “Os centro-africanos querem saber para onde vai este combustível, quem realmente beneficia dele e por que continuam a pagar o alto preço de uma crise sem fim.”
A GI-TOC instou o governo da RCA a investigar o contrabando e a especulação ilegal na cadeia de abastecimento de combustível do país. Também apelou a uma auditoria independente da estrutura de preços dos combustíveis da RCA, a fim de trazer transparência e corrigir quaisquer políticas que estejam a inflacionar os preços e a causar a perda de fundos públicos.
“Estabilizar o volátil sector dos combustíveis da RCA e travar as redes criminosas requer uma resposta coordenada urgente por parte das autoridades nacionais relevantes, com o total apoio da presidência,” lê-se no relatório. “São necessárias sanções internacionais contra os operadores comerciais de combustíveis que trabalham directa ou indirectamente com entidades russas sancionadas, nomeadamente o Grupo Wagner e o seu sucessor, o Africa Corps.”
