Quatro anos depois de a junta governativa do Mali ter convidado os mercenários russos a entrarem no país para combater os terroristas, o Mali enfrenta agora ainda mais ataques e um bloqueio de combustível, enquanto as forças russas reduzem o seu envolvimento no campo de batalha.
A relação do Mali com as forças russas mudou desde a chegada do Africa Corps em Junho. Muitos combatentes do Africa Corps vieram do antigo Grupo Wagner, que chegou ao Mali em 2021 com o pretexto de treinar soldados malianos para combater o grupo terrorista Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM) e separatistas Tuaregues que agora operam sob a bandeira da Frente de Libertação do Azawad (FLA).
Embora os combatentes do então Grupo Wagner tenham ajudado as forças armadas do Mali a recuperar várias comunidades, incluindo Kidal, no norte, a brutalidade e a violência envolvidas alienaram as comunidades malianas.
De Janeiro de 2024 até à saída do Grupo Wagner em Junho de 2025, o Grupo Wagner e os soldados malianos foram responsáveis por 1.443 vítimas civis, quatro vezes o número associado ao JNIM durante o mesmo período, de acordo com o Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos (ACLED).
“Quando conversamos com civis no Mali, uma coisa que surge com frequência é a brutalidade das operações do Grupo Wagner,” disse recentemente o analista Ousmane Ali Diallo, pesquisador sénior do escritório regional da Amnistia Internacional para a África Ocidental e Central.
“O total desrespeito pela lei e a severa brutalidade contra civis têm sido características do Grupo Wagner,” acrescentou.
Diallo participou num webinar recente organizado pela Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional (GI-TOC) para discutir o relatório do grupo sobre o impacto do Grupo Wagner na segurança do Mali.
O relatório concluiu que a presença do Grupo Wagner no Mali levou a um aumento nas execuções, saques e outras violações de direitos humanos contra civis em nome da luta contra o terrorismo.
“O Grupo Wagner substituiu o medo dos grupos rebeldes pelo medo das incursões antiterroristas,” disse Diallo.
O relatório concluiu que os mercenários do Grupo Wagner também maltratavam os membros das forças armadas do Mali, que forneciam armas, veículos e até uniformes às forças mal equipadas do Grupo Wagner. Os mercenários do Grupo Wagner insultavam os soldados malianos e abandonavam-nos no campo de batalha. Eles também competiam com soldados malianos pelos espólios das batalhas. Num caso, um mercenário do Grupo Wagner matou um soldado maliano durante uma disputa por uma motorizada apreendida.
O massacre de 500 homens pelo Grupo Wagner em Moura, em 2023, coincidiu com uma rápida e generalizada escalada da violência por parte do JNIM e da FLA.
“Moura é provavelmente a operação mais violenta desde o início do conflito em 2012,” disse Diallo. A comunidade ficou abandonada desde o massacre.
A violência crescente culminou em Julho de 2024 na batalha de Tinzaouaten, durante a qual combatentes combinados do JNIM e da FLA mataram 84 combatentes do Grupo Wagner e 47 soldados malianos.
“Tinzaouaten marcou o fim do envolvimento do Grupo Wagner no campo de batalha no Mali,” Heni Nsaibia, analista do ACLED, disse no webinar da GI-TOC. Um ano depois, o Grupo Wagner retirou-se do Mali e foi substituído pelo Africa Corps, uma divisão do Ministério da Defesa da Rússia.
O Africa Corps está menos directamente envolvido nos combates do que o seu antecessor. As forças russas continuam a saquear as comunidades malianas, mas são menos propensas a envolver-se no tipo de punição colectiva brutal que era a marca registada do Grupo Wagner. As novas forças permanecem em bases militares fortificadas e operam drones contra terroristas.
“Houve menos operações conjuntas e um declínio nos sequestros e desaparecimentos forçados que eram comuns na era do Grupo Wagner,” disse Nsaibia.
À medida que a presença militar russa diminuiu, o JNIM e a FLA expandiram o seu próprio alcance. O JNIM lançou recentemente um bloqueio de combustível, interceptando e destruindo camiões de combustível que entravam no país sem litoral provenientes da Costa do Marfim, da Guiné e do Senegal.
A mudança na estratégia russa deixou a junta maliana cada vez mais isolada e incapaz de manter a segurança no país, de acordo com o relatório da GI-TOC.
“O Africa Corps tem uma presença muito limitada e parece cada vez mais insuficiente como força parceira das forças armadas do Mali,” disse Nsaibia.
