A República Centro-Africana está no meio de uma disputa entre dois grupos mercenários russos.
O Grupo Wagner opera na RCA desde 2018 e permaneceu activo no país após a morte do seu líder, Yevgeny Prigozhin, em 2023. No entanto, o Ministério da Defesa da Rússia pressiona o país a substituir o Grupo Wagner pelo Africa Corps Kremlin, que opera sob o Ministério da Defesa russo. Um oficial militar da RCA disse que a Rússia exigiu que o país cobrisse os custos com o pessoal do Africa Corps e também pagasse milhões de dólares a Moscovo.
“Mas as autoridades de Bangui disseram que não têm condições de pagar o montante,” disse o oficial, que falou anonimamente à The Associated Press. “Em vez disso, esperam compensar a Rússia com recursos estratégicos e minerais, nomeadamente ouro, urânio e ferro,” um modelo que não esgota o seu tesouro público, que se encontra com dificuldades financeiras.
A Rússia exigiu a mudança para o Africa Corps e o pagamento pelos seus serviços durante várias visitas à RCA no início deste ano. O funcionário da RCA disse que as autoridades governamentais também acreditam que o Grupo Wagner, que é autónomo, será mais eficaz do que o Africa Corps. Bangui elogia o desempenho de combate e o conhecimento local do Grupo Wagner, dizendo que os mercenários entendem o terreno do país e conseguem resultados.
Os combatentes do Grupo Wagner actuam como segurança pessoal do presidente da RCA, Faustin Archange Touadéra, desde a sua chegada. Ajudaram-no a alterar a Constituição por referendo em Julho de 2023, o que lhe permitiu permanecer no poder indefinidamente. O Grupo Wagner também é acusado de cometer violações de direitos humanos, incluindo execuções e violência sexual contra civis. Como o Grupo Wagner é uma empresa privada, a Rússia alegou não ser responsável por essas acções. No entanto, como observou o Instituto Tombuctu, a transição para o Africa Corps põe fim à negação plausível da Rússia.
“Politicamente, o círculo íntimo do presidente Touadéra confia nos homens do Grupo Wagner, que têm “ligações com oficiais [da RCA]” e uma reputação temível no terreno,” escreveu o Instituto Robert Lansing para Estudos sobre Ameaças Globais e Democracias num relatório de 7 de Outubro. “Existe a preocupação de que a troca por uma unidade russa formal possa perturbar o delicado equilíbrio que mantém o regime no poder.”
O Africa Corps é composto por membros do Exército russo e ex-combatentes do Grupo Wagner. Os seus esforços são inspirados pelo Grupo Wagner. No entanto, as autoridades da RCA consideram o Africa Corps como não testado e focado no treino, em vez de no combate na linha da frente. O pessoal do Africa Corps é normalmente emparelhado com empresas estatais para procurar negócios de mineração, petróleo e portos em países como Burquina Faso, Líbia, Mali e Níger.
Como observou o Instituto Lansing, a nova estratégia do Kremlin é motivada por questões geopolíticas. À medida que a guerra da Rússia com a Ucrânia se prolonga, Moscovo está a aproveitar os seus aliados e activos continentais para contornar as sanções ocidentais, ganhar votos nas Nações Unidas, garantir matérias-primas e recrutar combatentes.
“A abordagem do Africa Corps também é de baixo custo e baixo risco do ponto de vista da Rússia, contando com destacamentos relativamente pequenos e operações de influência (propaganda, treino militar) para obter dividendos estratégicos desproporcionais,” relatou o Instituto Lansing.
A resistência contínua de Bangui corre o risco de irritar Moscovo e de ser deixada a defender-se sozinha. Este é um risco, numa altura em que os grupos rebeldes da RCA são activos, violentos e mortíferos. O país também está a lidar com uma onda de protestos violentos contra a presença contínua do Grupo Wagner. É possível chegar a um compromisso, como permitir uma transição gradual para o Africa Corps ou pagar à Rússia com mais recursos. No entanto, o Instituto Lansing observou que a Rússia já “forçou” o Mali a aceitar o Africa Corps.
“O episódio da RCA sublinha uma tensão maior: os Estados africanos estão a abraçar patronos de segurança estrangeiros para sustentar regimes, com risco para a soberania,” escreveu o Instituto Lansing. “O novo modelo da Rússia — acordos formais, bases e comando directo — pode corroer ainda mais a autonomia dos países anfitriões, incorporando efectivamente as forças russas por tempo indeterminado sob a bandeira de ‘missões de treino’ ou pactos bilaterais.”
