A devastadora guerra civil no Sudão intensificou-se durante o primeiro semestre de 2025, com os civis a continuarem a sofrer o impacto da violência em meio a uma crise humanitária fora de controlo.
Tanto as Forças de Apoio Rápido (RSF) paramilitares, lideradas pelo General Mohamed Hamdan “Hemedti” Dagalo, quanto as Forças Armadas do Sudão (SAF), lideradas pelo General Abdel Fattah al-Burhan, são responsáveis por um aumento significativo das mortes de civis, de acordo com um novo relatório do Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Entre 1 de Janeiro e 30 de Junho, 3.384 civis morreram no conflito, principalmente em Darfur, seguido por Cordofão e Cartum. Esse número representa quase 80% das 4.238 vítimas civis registadas no ano passado.
“Várias tendências permaneceram consistentes durante o primeiro semestre de 2025: a prevalência contínua da violência sexual, ataques indiscriminados e o uso generalizado de violência retaliatória contra civis, particularmente com base étnica, visando indivíduos acusados de “colaboração” com partes opostas,” lê-se no relatório.
As tendências emergentes incluíram o uso de drones, inclusive em ataques a locais civis, e ataques militares no norte e leste do país, áreas que anteriormente tinham sido amplamente poupadas da violência. Os ataques a campos de deslocados internos eram comuns. As autoridades acusaram as forças militares, paramilitares e milícias de matar pessoas com base na sua etnia.
“A crescente etnicização do conflito, que se baseia em discriminações e desigualdades de longa data, representa graves riscos para a estabilidade a longo prazo e a coesão social no país,” Volker Turk, chefe de direitos humanos da ONU, disse num comunicado. “Muitas mais vidas serão perdidas sem uma acção urgente para proteger os civis e sem a entrega rápida e sem obstáculos de ajuda humanitária.”
As autoridades acusaram as SAF, no dia 24 de Março, de matar cerca de 270 pessoas durante ataques aéreos a um mercado movimentado em Tora, cerca de 35 quilómetros a norte de El-Fasher, capital do Estado de Darfur do Norte. A Iniciativa de Darfur para a Justiça e a Paz considerou-o o “bombardeamento mais mortal desde o início da guerra.”
Mohamed Chande Othman, presidente da Missão de Investigação da ONU no Sudão, disse que meninas de apenas 12 anos foram forçadas a casar, às vezes, depois de as suas famílias terem sido ameaçadas de morte.
“Homens e meninos também foram submetidos a tortura sexualizada, e tais actos têm origem no racismo, no preconceito e na impunidade, e devastam comunidades inteiras,” disse Othman.
Ataques Mortais a Hospitais e Mesquitas
Em Janeiro, as autoridades acusaram as RSF de um ataque a um hospital em El-Fasher que matou 70 pessoas e feriu 19.
“Na altura do ataque, o hospital estava lotado de pacientes a receber cuidados,” Tedros Adhanom Ghebreyesus, director-geral da Organização Mundial de Saúde, disse numa publicação no X.
De acordo com Othman, dezenas de detidos numa instalação das RSF morreram desde Junho após serem torturados e privados de comida e cuidados médicos.
Nas instalações de detenção geridas pelas SAF, “os civis também foram sujeitos a tortura, incluindo choques eléctricos, abuso sexual, e foram mantidos em celas tão superlotadas que alguns prisioneiros tinham de dormir em pé,” disse Othman.
No dia 19 de Setembro, as RSF mataram 75 pessoas num ataque com drones que atingiu uma mesquita num campo de deslocados em Darfur. Isso fez parte de uma ofensiva destinada a forçar as SAF a sair de El-Fasher, que é a última capital remanescente na região controlada pelas SAF, de acordo com o The Guardian. O Laboratório de Investigação Humanitária da Universidade de Yale mostrou que as RSF estão a construir um muro de terra à volta da cidade para aprisionar as pessoas no interior. Os ataques em El-Fasher mataram pelo menos 89 civis durante 10 dias em Agosto.
Crise Humanitária Grave
Algumas estimativas apontam para um número de mortos na guerra que chega a 150.000 desde que ela eclodiu em Abril de 2023.
“Não podemos dar um número com responsabilidade,” Nathaniel Raymond, director-executivo do Laboratório de Investigação Humanitária de Yale, disse ao Science.org. “Muitos dos que fariam a contagem estão mortos ou deslocados.”
De acordo com a Organização Internacional para as Migrações da ONU, 14,3 milhões de pessoas — cerca da população total do Ruanda — fugiram das suas casas devido à violência. Cerca de 24,6 milhões de pessoas enfrentaram insegurança alimentar entre Dezembro de 2024 e Maio, enquanto pelo menos 638.000 pessoas estão à beira da fome. Surtos de doenças, incluindo cólera, dengue, malária e sarampo, estão a aumentar devido à interrupção dos serviços de saúde.Mais de 90% dos 19 milhões de crianças em idade escolar do Sudão não têm acesso à educação formal, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância.
As SAF controlam agora grande parte dos territórios do leste, centro e norte do país, enquanto as RSF dominam partes do sul e quase toda a região ocidental de Darfur. Os esforços para negociar um cessar-fogo falharam.