Quando o envolvimento russo em África passou da força mercenária privada Grupo Wagner para o controlo governamental sob o Africa Corps, as operações de informação também evoluíram.
O Grupo Wagner ampliou as campanhas de influência e as operações de informação em África como parte do seu trabalho no continente. Após a morte do seu líder, Yevgeny Prigozhin, num misterioso acidente de avião em 2023, as operações de informação da Rússia assumiram uma nova forma que combina esforços governamentais e privados, de acordo com a organização de investigação All Eyes on Wagner.
“O sector privado agora desempenha um papel central no arsenal de poder de influência da Rússia, combinando assessores de comunicação experientes, agências de conteúdo e canais discretos de influência,” a All Eyes on Wagner escreveu num relatório de 10 de Agosto.
Organizações como African Initiative, Bureau Legint, GR Group e Rybar tornaram-se “os principais instrumentos para projectar o poder narrativo em África e em outros teatros estratégicos,” lê-se no relatório. Entre elas, destaca-se a African Initiative, que se apresenta como uma agência de informação, mas está integrada nas unidades do Africa Corps no Burquina Faso, na Guiné Equatorial, no Mali e no Níger.
A iniciativa trabalha para promover Moscovo e formou uma rede de influenciadores, jornalistas, meios de comunicação social e organizações não-governamentais. O pessoal da iniciativa reúne-se frequentemente com grupos da sociedade civil a pedido do governo anfitrião, relata a All Eyes on Wagner.
Nessas reuniões, o representante russo reivindica legitimidade como parte do acordo militar com o país anfitrião e oferece à organização a “oportunidade de contribuir para a influência da Rússia no local em troca de compensação,” além de apresentá-la a pessoas e grupos que provavelmente produzirão conteúdo pró-Rússia.
“As operações de propaganda da Rússia em África não são improvisadas — são estratégicas, estruturadas e profundamente enraizadas em organizações oficiais e obscuras,” de acordo com um relatório do Instituto Robert Lansing de 4 de Agosto. Os seus objectivos são minar as alianças e a influência ocidentais; justificar a presença de forças paramilitares russas, como o Africa Corps; facilitar acordos de energia, mineração e armas, influenciando as elites políticas; e promover uma ordem mundial multipolar.
Num exemplo recente de como os influenciadores russos operam, as autoridades angolanas prenderam dois russos em Agosto e acusaram-nos de financiar o terrorismo, falsificar documentos e associar-se a criminosos. O Jornal de Angola noticiou que o Serviço de Investigação Criminal (SIC) do país afirmou que os homens recrutaram e pagaram cidadãos para produzir materiais de propaganda, espalhar informações falsas nas redes sociais, promover manifestações e cometer saques.
Um dos homens, Lev Lakshtanov, de 64 anos, fundou uma ONG cultural chamada Farol para países de língua portuguesa. Depois de se estabelecerem em Angola, ele e o seu sócio, Igor Racthin, de 38 anos, fingiram ser jornalistas e contactaram uma figura importante do principal partido político da oposição de Angola, que os colocou em contacto com um jornalista da televisão estatal.
Logo depois, eles estavam a conduzir entrevistas políticas pagas e pesquisas de opinião sobre como a Rússia é vista antes que as autoridades os prendessem por “orquestrar protestos contra o aumento do preço dos combustíveis,” informou a Radio France Internationale. Os protestos eclodiram em Julho, depois de o governo angolano ter cortado os subsídios aos combustíveis e aumentado os preços do gasóleo.
A interferência russa surge depois de Angola, no final de 2022, ter convidado nações ocidentais a participar no seu programa de equipamento militar, segundo noticiou a Novaya Gazeta Europe, sediada na Letónia, em Novembro de 2024. Antes da guerra na Ucrânia, Angola era o maior cliente da Rússia na África Subsaariana.
“A maioria dos governos africanos, ansiosos por não serem tratados como peões numa luta geopolítica mais ampla pela influência entre a Rússia, a China e o Ocidente, optaram por manter as suas parcerias diversificadas em vez de escolherem definitivamente um lado, uma estratégia que lhes permite manter mais controlo sobre as decisões de política externa,” informou o site.
As autoridades do SIC alegaram que Lakshtanov e Racthin pretendiam desenvolver propaganda nas redes sociais antes e durante as campanhas eleitorais, com o objectivo de promover uma mudança de regime, informou o Jornal de Angola.
Um incidente semelhante ocorreu no ano passado no Chade. As autoridades locais prenderam três russos e um bielorrusso em N’Djamena em Setembro de 2024. Maxim Shugaley, cuja organização, “Fundação para a Defesa dos Valores Nacionais,” tinha laços estreitos com o Grupo Wagner e Prigozhin, estava entre os detidos.
Shugaley viajou muito, espalhando propaganda pró-Rússia, oferecendo subornos a funcionários públicos e tentando interferir nas eleições em nome dos candidatos preferidos da Rússia. Ele foi visto na República Centro-Africana, Madagáscar, Mali, Sudão e Líbia, e anteriormente fazia parte da fábrica de trolls russa conhecida como Agência de Investigação da Internet.
O site de notícias da RCA, Corbeau News, disse que ele tende a aparecer em países na época das eleições sob o pretexto de ser um observador eleitoral ou de realizar sondagens de opinião. Isso não é surpresa, dizem os observadores.
“A propaganda russa em África não é acidental,” segundo o Instituto Robert Lansing. “É o resultado de uma estratégia coordenada, sancionada nos mais altos níveis da elite política e de segurança de Moscovo, e concebida para remodelar as alianças geopolíticas.”