Os antigos adversários Etiópia e Eritreia parecem estar a caminhar para a guerra, com o aumento das ameaças e a concentração de tropas na fronteira comum.
Alianças instáveis, aspirações geopolíticas, divisões étnicas e disputas pelo acesso ao Mar Vermelho tornaram-se uma panela de pressão no Corno de África. Alguns especialistas alertam para um sentimento crescente de que um conflito violento, se não uma guerra regional, está iminente.
“O governo etíope nunca indicou que iria agir para garantir o acesso ao mar pela força, mas a Eritreia está a preparar as suas forças armadas para a guerra. Relatos indicam que fortaleceu a sua fronteira com a Etiópia,” o analista político Constantinos Berhutesfa disse ao site de notícias etíope The Reporter. “A retórica actual indica que vamos entrar em guerra. As pessoas estão preocupadas.”
O presidente da Eritreia, Isaias Afwerki, numa entrevista aos meios de comunicação estatais eritreus a 19 de Julho, acusou a Etiópia de estar a preparar-se para a guerra. Ele descreveu a ambição do Primeiro-Ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, de garantir o acesso a um porto no Mar Vermelho como “o plano de um louco.”
“Esta é uma provocação verdadeiramente infantil. A nossa mensagem é: Não! É melhor ficarem onde estão,” disse Isaias. “Como alguém pode acusar a Eritreia enquanto adquire armas e recorre diariamente a ameaças militares? [A Eritreia] não aspira entrar em guerra, mas se for forçada a isso, sabe como se defender.”
Abel Abate Demissie, analista político da Chatham House radicado na Etiópia, disse que a retórica do líder eritreu tinha um tom sinistro.
“O discurso de Isaias sinaliza o fim oficial das relações entre a Etiópia e a Eritreia, após meses de rumores sobre a deterioração dos laços,” disse ao The Africa Report. “Esta é a primeira vez que ele dá uma entrevista detalhada sobre a mudança de postura em relação a Adis Abeba. Acho que a relação está irreparável.”
A Eritreia implementou uma mobilização militar em todo o país em Fevereiro. A Etiópia destacou tropas para a fronteira com a Eritreia em Março.
O aumento da tensão na rivalidade de décadas entre a Eritreia e a Etiópia está interligado com uma divisão volátil entre grupos na região de Tigré. Depois de dois anos de conflito entre Tigrenhos e eritreus em Tigré, alguns membros da Frente Popular de Libertação de Tigré (TPLF) e funcionários de Asmara teriam formado uma nova aliança contra o governo federal da Etiópia.
Getachew Reda, líder da facção pró-governo etíope em Tigré, disse numa publicação nas redes sociais a 21 de Julho que a TPLF está a tentar tomar o poder pela força.
“O resultado previsível e anunciado desta aliança profana entre o regime eritreu e a facção reaccionária dentro da TPLF… é a renovada declaração de guerra ao nosso povo,” escreveu. “Este caminho destrutivo deve ser rejeitado por todos os tigrenhos.”
Durante uma cerimónia militar em Jimma, no dia 21 de Julho, o chefe da Força de Defesa Nacional da Etiópia, Berhanu Jula, alertou que um Tigré fragmentado estava a caminho da guerra. Ele acusou a TPLF de se recusar a participar no processo de desarmamento, desmobilização e reabilitação exigido pelo Acordo de Pretória de 2022, que pôs fim ao conflito em Tigré.
Ele também disse que o grupo tomou medidas para “desenterrar as armas que havia enterrado” após o acordo de paz, acrescentando que nenhuma outra administração regional possuía esse tipo de armamento pesado.
Vários meios de comunicação etíopes relataram que as forças armadas alinhadas com a TPLF estão motivadas a retomar territórios disputados ao longo da fronteira de Tigré com a região de Amhara, como Wolkait e Raya Alamata, que as forças de Amhara aliadas ao governo federal anexaram durante o conflito de Tigré.
Militantes tigrenhos entraram em áreas fronteiriças com Amhara, o site de notícias Borkena reportou no dia 23 de Julho. Três dias depois, informou que as forças federais estavam a transportar armamento pesado para a parte oriental do país, perto da fronteira com a Eritreia.
O analista do Instituto para o Estudo da Guerra, Liam Karr, afirmou que o aumento das tensões poderia desencadear um conflito em Tigré, mas que “é improvável que haja uma guerra em grande escala.”
“É provável que as várias facções não tenham capacidade para suportar o custo político de uma nova guerra. A região ainda está marcada pela guerra de Tigré e a lidar com as consequências humanitárias contínuas,” escreveu na edição de 24 de Julho do Africa File do instituto.
“Um conflito por procuração de baixa intensidade mitigaria as preocupações da Eritreia, Etiópia e Tigré com uma guerra mais ampla, permitindo que todos os lados lutassem por vantagem. … Mas um erro de cálculo ou interferência externa poderia alimentar um conflito mais amplo.”
Comparando a situação à guerra civil em curso no Sudão, que envolveu actores regionais e dos Estados árabes do Golfo, Constantinos também pede cautela.
“Iniciar este conflito requer muita reflexão, porque seria impossível terminá-lo,” afirmou. “Um único erro pode aumentar esta tensão para a guerra.”