As recentes incursões do Exército nigeriano contra o Boko Haram revelaram tecnologia de ligação por satélite, indicando que o grupo terrorista está a utilizar o sistema Starlink para comunicar com o mundo exterior a partir do seu esconderijo na Floresta de Sambisa.
As tropas confiscaram a tecnologia em Julho, juntamente com telemóveis e armas, durante a campanha antiterrorista Operação Hadin Kai nos Estados de Adamawa e Borno, no nordeste da Nigéria. O sistema de ligações via satélite e routers wi-fi da Starlink tornou-se comum entre os grupos terroristas que operam nos vastos espaços do Sahel, onde outras infra-estruturas de comunicação são raras. Desde 2023, vídeos e imagens publicados nas redes sociais mostram grupos armados a utilizar o Starlink.
“A inovação tecnológica sempre enfrentou a exploração precoce por interesses criminosos ou actores violentos, e o Starlink não é excepção,” os investigadores da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional (GI-TOC) escreveram numa análise recente.
A Starlink está activa em 20 dos 54 países africanos. O sistema entrou em funcionamento na Nigéria em 2023 e, mais recentemente, no Níger, em Março deste ano. Como parte da aprovação da Starlink, o Níger exigiu que todos os dispositivos fossem registados junto ao governo. O Chade também exigiu que os kits da Starlink fossem registados e o Mali poderá seguir o exemplo.
A Starlink oferece aos utilizadores cobertura quase total do continente africano, em comparação com pouco mais de um terço da cobertura da tecnologia de internet terrestre. A rede de milhares de satélites da Starlink permite que grupos terroristas do Sahel ao Lago Chade distribuam propaganda e coordenem as suas acções. As comunicações seguras da tecnologia complicam a capacidade dos governos de interceptar comunicações terroristas.
Em Junho de 2024, um vídeo divulgado pelo Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM), afiliado à al-Qaeda, durante uma operação na região de Gao, no leste do Mali, contra o Estado Islâmico na África Ocidental, mostrou que o grupo usava a Starlink. A tecnologia também apareceu durante uma operação em locais terroristas nas regiões de Tillaberi e Tahoua, no Níger.
A violência extremista no Níger quase duplicou no ano seguinte ao derrube do então presidente Mohamed Bazouma pelo exército, em 2023. Os investigadores da GI-TOC afirmam que os sistemas Starlink ilícitos contrabandeados da Nigéria provavelmente tiveram um papel importante na rápida expansão do extremismo no país.
O tamanho reduzido e a portabilidade dos sistemas Starlink ajudam a torná-los uma ferramenta importante para grupos terroristas que operam fora das áreas urbanas. Como disse um traficante em Maradi, no sul do Níger, aos investigadores da GI-TOC: “É fácil transportar os kits. Basta pagar um pouco de dinheiro aos motoristas e à polícia e eles deixam-nos passar sem problemas. Todos sabem como funciona.”
Os contrabandistas transportam os kits da Starlink através do Níger, desde as comunidades fronteiriças até às organizações terroristas na região de Liptako-Gourma, onde Burquina Faso, Mali e Níger se encontram. Outros dispositivos contrabandeados da Líbia para o Níger apareceram em Tinzaouaten, um centro de actividades extremistas no norte do Mali.
Embora os sistemas Starlink sejam agora legais no Níger, os funcionários da fronteira continuam a confiscá-los. Os grupos terroristas, às vezes, desmontam os kits da Starlink em seus componentes e os contrabandeiam entre outros itens para evitar a detecção pelas autoridades.
Além de utilizarem a Starlink para os seus próprios fins, os grupos criminosos aproveitam-se dos civis que querem utilizar os sistemas, cobrando aos utilizadores cerca de 140 dólares por mês. Isso é o dobro do custo do serviço da Starlink legal no Níger. Muitas das pessoas exploradas por criminosos e grupos terroristas não têm contas bancárias que possam utilizar para pagar o seu próprio serviço Starlink.
“Os traficantes, portanto, exploram a baixa penetração bancária do Níger para manter um fluxo sustentado de rendimentos ilícitos,” escreveram os investigadores da GI-TOC.