Os objectivos do Africa Corps do Kremlin no Sahel são semelhantes aos dos mercenários do Grupo Wagner da Rússia: proteger as juntas governativas, obter acesso a recursos naturais, garantir parcerias em infra-estruturas e energia e minar a influência ocidental por meio de campanhas de propaganda.
Como o Grupo Wagner era uma empresa privada, a Rússia alegou não ser responsável pelas suas acções, como violações de direitos humanos, incluindo execuções extrajudiciais e tortura. No entanto, como observou o Instituto Tombuctu num relatório recente, a transição para o Africa Corps põe fim à negação plausível da Rússia.
“Na verdade, o Africa Corps assume agora oficialmente a responsabilidade do Estado russo, seja pela conduta no campo de batalha, por potenciais crimes de guerra ou por falhas operacionais no terreno,” informou o instituto.
Desde Fevereiro, o Ministério da Defesa russo expandiu o recrutamento para o Africa Corps. A força paramilitar russa está agora em Burquina Faso, República Centro-Africana, Líbia, Mali, Níger e Sudão, de acordo com a Rand Corp.
O Africa Corps está a utilizar bases russas recentemente renovadas na região, incluindo uma perto do aeroporto de Bamako, capital do Mali. Uma fonte de segurança maliana disse ao Instituto Tombuctu que o Africa Corps pretende estabelecer cerca de 30 bases militares e postos avançados em todo o país, onde os russos estão destacados com as forças malianas, operam a partir de postos de comando conjuntos e estão integrados em unidades nacionais. No Mali, as forças do Africa Corps fornecem segurança pessoal a altos oficiais militares e trabalham em conjunto com unidades da gendarmaria.
“Como tal, a mobilização russa visa fornecer apoio político a governos liderados por militares e consolidar a influência a longo prazo, sem condições de democracia ou respeito pelos direitos humanos,” informou o instituto.
Estima-se que cerca de 80% do pessoal do Africa Corps seja composto por antigas forças do Grupo Wagner, e os seus esforços são inspirados nos métodos do Grupo Wagner. O número de ataques e mortes cometidos por grupos terroristas aumentou significativamente desde que os mercenários russos substituíram as forças de segurança das Nações Unidas e da África Ocidental em África. Uma análise da opinião pública mostra que as populações de vários países africanos têm uma visão mais negativa do que positiva dos mercenários russos, sobretudo na Costa do Marfim, Mali, Níger e Togo, de acordo com a Rand Corp.
Em torno do Sahel e da África Ocidental, a Iniciativa Africana da Rússia, uma plataforma de comunicação, apregoa o Africa Corps como uma força estabilizadora e enfatiza a imagem da Rússia como uma força capaz de restaurar a ordem em Estados que sofreram golpes de Estado. Os líderes da junta costumam citar desafios de segurança como justificativa para a contratação de mercenários russos.
“No entanto, a crescente violência, as violações de direitos humanos e a opinião pública negativa em relação às tácticas dos mercenários demonstram que a presença de mercenários russos agrava os problemas que eles foram contratados para resolver,” relatou a Rand Corp.
O Africa Corps e as forças malianas foram acusados em Junho de executar civis em Kidal, no Mali. Em Abelel, Eghacher-Sedide e Ibdakan, as forças combinadas queimaram civis vivos e lançaram-nos em poços, de acordo com o Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos.
No dia 13 de Junho, a Frente de Libertação do Azawad emboscou uma coluna logística do Africa Corps e das Forças Armadas do Mali perto de Aguelhok. O grupo afirmou ter destruído mais de 20 veículos e matado dezenas de soldados. A Reuters informou que pelo menos 23 combatentes russos morreram no ataque, muitos dos quais eram veteranos do Grupo Wagner anteriormente destacados na Síria e na Ucrânia. O Instituto Tombuctu caracterizou este evento como a “primeira grande perda no campo de batalha” do Africa Corps.
Desde Abril, Haut-Mbomou, na fronteira da RCA com a República Democrática do Congo, tem vivido escaladas de tensões étnicas e confrontos entre o Azande Ani Kpi Gbe (AAKG), um grupo armado predominantemente da etnia Azande, e as Forças Armadas da República Centro-Africana e o Africa Corps. A violência deslocou pelo menos 10.000 civis, segundo a ONU, e dezenas foram mortos. Na cidade de Obo, no sudeste da RCA, o pânico instalou-se quando se espalhou a notícia da chegada de mercenários do Africa Corps para desarmar os combatentes do AAKG.
“É o medo que está a levar as pessoas a fugir,” Arsène Doukazima Kété, conselheiro municipal de Obo, disse ao Centro Global para a Responsabilidade de Proteger, em Maio. “A cidade está praticamente vazia. A população está traumatizada pelos recentes acontecimentos em Zémio e Mboki,” que também passaram recentemente por um aumento da insegurança e crises humanitárias.