Os recentes protestos na República Centro-Africana (RCA) podem levar o governo a reconsiderar a sua relação com o Ministério da Defesa da Rússia.
Milhares de pessoas seguraram cartazes e marcharam nas ruas da capital, Bangui, no dia 4 de Abril, para protestar contra a presença contínua de mercenários russos do Grupo Wagner que guardam o presidente Faustin Archange Touadéra.
Os combatentes do Grupo Wagner actuam como segurança pessoal de Touadéra desde 2018. Ajudaram-no a alterar a Constituição por referendo em Julho de 2023, o que lhe permite permanecer no poder indefinidamente.
“Estamos aqui para dizer não a um terceiro mandato de Faustin Archange Touadéra. Mas, mais do que isso, queremos proteger a nossa soberania, que Touadéra e o Grupo Wagner pisaram,” o membro da oposição Justin Winè disse à Associated Press. “O Grupo Wagner viola e mata sem qualquer justiça. Isso não é normal. Para pôr fim ao seu reinado, Touadéra tem de sair.”
Os especialistas afirmam que a recente onda de protestos exemplifica um sentimento crescente de indignação pública face às actividades ilícitas e à influência dos mercenários russos.
“Desencadeadas por relatos de assassinatos arbitrários, violência sexual e pilhagem por parte dos combatentes do Grupo Wagner, estas manifestações destacam uma crise mais ampla: a normalização dos crimes de guerra e a impunidade pela violência contra civis,” o Instituto Robert Lansing para Estudos sobre Ameaças Globais e Democracias escreveu num relatório de 7 de Abril.
Descreveu as acções da Rússia em África como “uma forma de política neocolonial,” utilizando mercenários, empresas extractivas, propaganda e captura do Estado para controlar os recursos naturais, exercer influência política e comprometer o aparelho de segurança do Estado.
O Grupo Wagner gera alegadamente centenas de milhões de dólares por ano com a mineração de diamantes e ouro, a exploração florestal e o tráfico de armas na RCA.
“Embora o Kremlin, muitas vezes, se apresente como um parceiro anticolonial dos Estados africanos, as suas acções reflectem características centrais do comportamento colonial clássico,” escreveu o Instituto Lansing. “É neocolonialismo sem bandeira, mas com todos os componentes essenciais: dominação sem desenvolvimento, ordem sem justiça e soberania sem autonomia.”
O Ministério da Defesa da Rússia insistiu que Touadéra assinasse um contrato para substituir gradualmente o Grupo Wagner pelo Africa Corps, que controla. O contrato estipula o pagamento de 15 milhões de dólares por mês como “custos de serviço,” o site Africa Intelligence informou no dia 21 de Julho.
Os pagamentos mensais representariam quase 40% do orçamento da RCA para 2025. O Kremlin está inflexível e exige que o contrato seja assinado até ao final de Agosto.
“Bangui está muito céptico em relação à operação para substituir o Grupo Wagner, tanto financeiramente quanto em termos de segurança,” escreveu a Africa Intelligence. “Espera-se que alguns membros do Grupo Wagner sejam transferidos para os contingentes do Africa Corps, mas novos paramilitares serão enviados, e permanecem dúvidas sobre a equipa de liderança.”
Ao longo do seu tempo na RCA, o Grupo Wagner foi frequentemente acusado de massacres, execuções extrajudiciais, violação, tortura e abusos de direitos humanos com impunidade.
Na noite de 16 de Julho, 11 pessoas foram mortas na mina de Ndassima, controlada pelo Grupo Wagner, a cerca de 300 quilómetros a nordeste de Bangui. A cerca de 3 quilómetros de distância, na aldeia de Djoubissi, o morador Serge Pounematchi disse que o seu filho estava entre as vítimas que estavam no local à procura de resíduos de ouro quando foram mortas.
“É uma vergonha que o direito à vida não exista,” disse à AP.
O padrão de atrocidades do Grupo Wagner também figura na decisão de Touadéra de firmar um acordo com o Africa Corps da Rússia.
“O número de vítimas de violações de direitos humanos cometidas pelo Grupo Wagner continua a aumentar,” Jelena Aparac, ex-chefe do grupo de trabalho das Nações Unidas sobre mercenários, disse à RadioLiberty para um artigo publicado a 28 de Março. “[Lamentavelmente] não há investigações coordenadas e [nenhuma] responsabilização efectiva.”
Em vez de segurança ou justiça, as pessoas são brutalizadas e intimidadas rotineiramente, disse Charles Bouessel, especialista em CAR do grupo de reflexão Crisis Group.
“O terror é usado como arma, porque o Grupo Wagner e [os militares] podem não ter forças suficientes para estar presentes em todos os lugares,” disse à RadioLiberty.
O relatório do Instituto Lansing concluiu que os mercenários russos visam deliberadamente civis como táctica para controlar territórios e recursos. Como resultado, a opinião pública está a mudar e o governo de Touadéra é cada vez mais visto como ilegítimo.
“O Grupo Wagner emprega a violência não apenas para ganhos militares, mas como arma psicológica,” lê-se no relatório. “A intimidação garante a obediência tanto dos governos quanto das populações locais. Os protestos na RCA não são apenas contra o Grupo Wagner — são um grito contra um sistema mais amplo de predação estrangeira, impunidade e traição pelas elites nacionais.”