O assassinato horrível de 16 homens por uma multidão enfurecida enquanto viajavam pela cidade de Uromi, no sul da Nigéria, trouxe à tona o problema da chamada “justiça da selva.”
Segundo relatos, os homens estavam numa longa viagem para o norte para as celebrações do Eid al-Fitr, mas um grupo de justiceiros abordou-os, pensando que eram sequestradores ou bandidos.
O crime deles era viajar com armas caseiras, mosquetes de pederneira de cano longo, disse o jornalista nigeriano, Gbenga Aborowa.
“Dezasseis vidas perdidas da maneira mais horrível possível — sem um julgamento justo, sem que fossem apresentadas provas,” disse ele num editorial da News Central TV, com sede em Lagos, no dia 31 de Março. “Não, eles foram arrastados, espancados, incendiados e mortos a sangue-frio por uma multidão que tomou a lei nas próprias mãos e se tornou carrasca sem a menor prova.
“Isso é justiça selvagem — uma doença que criou raízes profundas na nossa sociedade, uma prática que rouba às pessoas o direito de serem ouvidas, o direito de se defenderem, o direito à vida.”
A cena sombria de 24 de Março em Uromi, uma cidade no centro do Estado de Edo, é típica do que é a justiça selvagem: uma forma de punição extrajudicial liderada por multidões que tem sido predominante em toda a África Ocidental e Central. O presidente nigeriano, Bola Tinubu, e grupos de direitos humanos condenaram o incidente, e Tinubu prometeu perseguir os perpetradores e levá-los à justiça.
Suspeitas de feitiçaria, blasfémia ou sequestro podem levar à justiça popular. Em muitos casos, pequenos furtos, como roubos de carteiras, telemóveis, bicicletas ou motorizadas, desencadeiam a violência.
Num relatório de 2024, a Amnistia Internacional registou pelo menos 555 incidentes documentados de justiça selvagem na Nigéria entre 2012 e 2024 e descreveu a violência como crescente em brutalidade e alcance.
“É chocante que a violência colectiva esteja gradualmente a tornar-se a norma, muitas vezes, praticada em áreas movimentadas, como parques de estacionamento, mercados e estradas movimentadas,” Isa Sanusi, director da Amnistia Internacional Nigéria, disse num comunicado. “As vítimas eram sempre torturadas, incluindo com espancamentos, apedrejamentos ou através do uso de armas improvisadas, como paus e barras de metal.”
A responsabilidade pela mudança recai sobre as pessoas, a polícia e os sistemas judiciais do governo, Barbara Magaji, gestora de programas da Amnistia Internacional na Nigéria, disse numa marcha para acabar com a violência em massa realizada a 8 de Agosto em Calabar, capital do Estado de Cross River.
“Apelamos aos nigerianos para que não tomem a lei nas suas mãos,” afirmou, de acordo com o jornal Daily Post. “Quando surgirem situações desagradáveis ou provocadoras, devem denunciá-las à polícia.
“Apelamos à polícia e às agências judiciais para que ajam correctamente, porque parece haver uma desconfiança por parte do público, que [é a] razão pela qual tendem a hesitar em denunciar os casos. Os magistrados e advogados devem ouvir essas queixas e denúncias, garantindo que os casos sejam rapidamente julgados. Desta forma, as pessoas podem confiar no sistema.”
A Amnistia Internacional observou que a polícia nigeriana conta com menos de 400.000 agentes para servir mais de 200 milhões de pessoas. Aconselhou o governo a promulgar leis contra a violência colectiva, garantir a aplicação rápida e eficaz das leis e fornecer protecção contra a violência religiosa.
Fukky Danladi Mashat, que trabalha advogado em Abuja, disse que o governo pode diminuir a violência colectiva com “um julgamento mais rápido e eficiente dos processos criminais, educação popular sobre os perigos da justiça selvagem, fortalecimento da responsabilização dentro das forças policiais e [do] poder judiciário e priorizando uma justiça rápida e transparente.”
“Ao abordar essas causas profundas, podemos restaurar a confiança pública, quebrar o ciclo de violência vigilante e garantir que a verdadeira justiça prevaleça,” disse ao site Global Voices.
Jornalistas nigerianos também estão a reconhecer o papel que os meios de comunicação podem desempenhar em nomear e expor os perpetradores da violência colectiva. Mas o apelo apaixonado de Aborowa aos seus compatriotas nigerianos incluiu um aviso sobre como a justiça selvagem pode degenerar num caos sem lei:
“Temos de reforçar o nosso sistema judicial, renovar a confiança nas forças da ordem e responsabilizar os autores da justiça selvagem, porque, se não pararmos isto agora, o fogo da violência em massa continuará a arder, consumindo não só os acusados, mas também o próprio tecido da nossa sociedade.”