Um grupo terrorista que domina a região do Lago Chade arrecada cerca de 191 milhões de dólares por ano em impostos que impõe a agricultores, criadores de gado e pescadores, de acordo com uma nova reportagem de uma organização de notícias independente sem fins lucrativos.
O relatório da New Humanitarian compara as arrecadações da Província do Estado Islâmico na África Ocidental (ISWAP) com as do governo do Estado de Borno, no nordeste da Nigéria, onde os terroristas operam. O estudo afirma que o Estado de Borno arrecadou 18,4 milhões de dólares em 2024, menos de um décimo dos rendimentos do ISWAP.
Os 191 milhões de dólares relatados não incluem receitas de outras áreas da Nigéria, ganhos com sequestros ou recompensas pagas pelo grupo Estado Islâmico pelo equipamento que o ISWAP captura do exército nigeriano.
O ISWAP controla muitas das centenas de ilhas na região do Lago Chade. As ilhas servem como base de retaguarda, centro logístico e ponto de partida para os ataques do grupo, de acordo com a agência de notícias HumAngle. O grupo controla partes de Burquina Faso, Camarões, Chade, Mali, Níger e norte da Nigéria.
Malik Samuel, investigador sénior da Good Governance Africa, escreveu o relatório de Julho de 2025 após entrevistar agricultores, pescadores, ex-clérigos e funcionários do ISWAP. Ele observou que pelo menos 10.000 pescadores em grande escala acedem ao território do ISWAP todos os anos. Disse que o grupo terrorista tenta apresentar-se como uma alternativa viável ao governo nigeriano.
A região do Lago Chade possui uma riqueza de recursos naturais para a pesca, a agricultura e a criação de gado. Como o Lago Chade fica na junção de quatro países — Camarões, Chade, Níger e Nigéria —, ele cria oportunidades comerciais para o “contrabando que lucra com as diferenças nos níveis de impostos,” informou a HumAngle.
De acordo com o Instituto de Estudos de Segurança, as razões para o aumento da extorsão do ISWAP na região incluem o financiamento da sua expansão na Nigéria, lidar com os efeitos das operações militares nas suas finanças e reduzir o impacto de uma moeda em queda.
O grupo terrorista surgiu em Março de 2015 no norte da Nigéria, quando o líder do Boko Haram, Abubakar Shekau, jurou lealdade ao EI, formando o ISWAP como afiliado regional oficial do Lago Chade. Por fim, o ISWAP separou-se de Shekau devido à sua violência indiscriminada e aos atentados suicidas. Em 2021, o grupo derrotou a facção do Boko Haram liderada por Shekau. No início da década de 2020, o grupo invadiu postos militares nigerianos e regionais e, desde então, absorveu alguns combatentes do Boko Haram. Continua a opor-se a alguns remanescentes do Boko Haram e a grupos dissidentes. Hoje, é um dos bastiões mais importantes do EI fora do Médio Oriente. Shekau suicidou-se em Maio de 2021 durante uma batalha com o ISWAP.
O grupo tornou-se mais organizado e poderoso do que o Boko Haram, concentrando-se no apoio local através de violência selectiva e da prestação de serviços básicos. O pagamento desses serviços e a boa vontade que geram foram a base dos métodos de tributação do grupo.
Mas a tributação do ISWAP não é um acordo formal. Não há taxas fixas reais ou normas escritas, pelo que os impostos cobrados são deixados ao critério dos líderes, “criando oportunidades para abusos e corrupção,” escreveu Samuel. Embora alguns serviços sejam prestados, os civis não têm voz na forma como são governados. Aqueles que ousam questionar o grupo arriscam-se a punições severas, incluindo prisão e morte. A aparência de ordem e protecção, muitas vezes, mascara a opressão sistémica.
“Ao realizar actividades de governação, o ISWAP demonstra como as organizações jihadistas tentam legitimar-se perante o povo, facilitando o recrutamento e a geração de receitas, ao mesmo tempo que tornam mais difícil para o governo erradicá-las,” escreveu Samuel.
O seu estudo observa que muitos dos serviços do ISWAP são gratuitos, incluindo abastecimento de água, barcos e canoas para transporte e alguns cuidados de saúde. Mas o sistema de tributação do grupo não é opcional nem justo.
Kaka Ali, um agricultor do nordeste da Nigéria, disse ao Pulitzer Center que resistir à tributação significa perder tudo e talvez até sofrer espancamento no processo. Se um pescador entrar nas águas do ISWAP sem prova de ter pago os impostos do grupo, isso pode significar a morte por açoites. Se um comerciante de peixe se recusa a pagar os seus impostos, “ele perde todo o seu carregamento, a vida ou até corre o risco de ser raptado,” relatou o Pulitzer Center. Os pastores pagam um imposto sobre o gado que pode ser completamente arbitrário. Os criadores de gado podem acabar por pagar o dobro do que esperavam, ficando financeiramente arruinados. O grupo atacou comunidades inteiras, assassinando dezenas de pessoas, por não pagarem.
“Não podemos defender-nos contra eles,” Kaka disse ao Pulitzer Center. “Costumávamos defender-nos contra pastores e ladrões. Mas com os terroristas, não há essa opção. Damos-lhes o que eles querem.”