COMANDANTE SETH ANTHONY DZAKPASU, FORÇAS ARMADAS DO GANA | FOTOS DA REUTERS
om o crescimento da ameaça do extremismo violento no Sahel e na África Ocidental em 2005, o Comando dos EUA para África patrocinou um novo exercício. Este foi projectado para enfrentar a ameaça de frente, reunindo forças de operações especiais (SOF) de toda a região e emparelhando-as com aliados da Europa e da América do Norte.
Desde a sua primeira edição, que incluiu sete países africanos e mais de 700 soldados, o Flintlock tem-se centrado em unidades de tarefas de operações especiais e no treino ao nível dos operadores das SOF. Estes operadores são alguns dos melhores dos melhores nos seus respectivos países. Normalmente, são os primeiros a ser enviados para realizar missões delicadas, como resgate de reféns ou neutralização de alvos terroristas de alto valor.
As unidades das SOF em África têm muito em comum, mas antes do Flintlock raramente treinavam juntas. Barreiras linguísticas, doutrinárias, de equipamento e políticas nacionais levaram ao isolamento das SOF, em que os operadores não coordenavam os seus esforços e os líderes raramente partilhavam informações ou melhores práticas. Os grupos extremistas, muitas vezes, aproveitaram essas divisões, procurando áreas fracas e sem governo para estabelecer bases, recrutar e operar com impunidade através das fronteiras.
O objectivo do Flintlock era simples: ajudar as nações participantes a combater organizações extremistas violentas, colaborar além das fronteiras e garantir a segurança dos seus povos, respeitando os direitos humanos e construindo confiança com as populações civis.
No seu 20.º aniversário, vale a pena avaliar o histórico para ver para onde o Flintlock pode ir a partir daqui.

Crescimento e Oportunidade para Preencher Lacunas
O Flintlock, na sua forma actual, é a maior mobilização de parceiros das SOF em África e, possivelmente, no mundo. Anualmente, mais de 1.300 elementos representando 30 parceiros africanos e internacionais são mobilizados para reforçar a cooperação e a interoperabilidade e forjar parcerias duradouras que trazem dividendos em vidas salvas. Nos seus 20 anos, cresceu em tamanho e alcance, tendo identificado várias lacunas críticas na formação, disparidades na capacidade das SOF e oportunidades para melhorar a cooperação e a interoperabilidade entre parceiros africanos e internacionais.
O desafio mais evidente e urgente relacionado com as SOF pode também ser a oportunidade mais impactante. Trata-se do desenvolvimento de conceitos e doutrina padronizados. Para ser eficaz e universalmente aceite, esta doutrina deve ser desenvolvida pelas, com e através das SOF africanas. Como principal meio de colaboração no combate ao terrorismo na África Ocidental e do Norte, o Flintlock está na melhor posição para apoiar o desenvolvimento de uma doutrina africana para as SOF.
Como participante e planeador do exercício, gostaria de juntar a minha voz àqueles que apelam ao desenvolvimento de uma doutrina e de um conceito para as SOF em África. Este é o momento certo. À medida que os grupos terroristas procuram expandir-se e as alianças regionais no Sahel se fragmentam ou estão sob ameaça, acredito que a cooperação das SOF é hoje mais importante do que nunca.
Menor Pode ser Melhor nas SOF
No Flintlock, o conceito e a doutrina das SOF centram-se no trabalho seminal do almirante reformado da Marinha dos EUA, William McRaven, que propôs a teoria da “superioridade relativa.” No seu livro “Spec Ops,” ele retirou lições de conflitos que remontam à Segunda Guerra Mundial para delinear as ideias fundamentais das SOF. Na guerra convencional, uma força que defende uma posição é inerentemente mais forte do que uma que está na ofensiva. Isso leva à necessidade convencional de ter uma força de ataque três vezes maior do que a força defensiva. Mas nas SOF, essa sabedoria convencional é invertida. Pequenas unidades das SOF podem ter capacidades não convencionais e extraordinárias. Ao examinar operações que vão desde um ataque de comandos britânicos em St. Nazaire, França, em 1942, até ao resgate israelita de reféns no aeroporto de Entebbe, Uganda, em 1976, McRaven demonstra o poder destas pequenas unidades de elite. McRaven escreve que as SOF ganham vantagem quando têm um “plano simples, cuidadosamente oculto, ensaiado de forma realista e executado com surpresa, rapidez e determinação.” Este conceito indica que as SOF devem ter elementos de execução ou unidades de tarefas mais pequenas quando comparadas com as unidades convencionais.

Variações nos Conceitos e Doutrina das SOF em África
Muitas vezes, as forças armadas africanas incluem estruturas indígenas que antecedem a era moderna e legados estruturais coloniais. As unidades militares de elite na África Ocidental e do Norte assumem a forma de organizações de comando, batedores, mergulhadores e paramilitares. No entanto, estes tipos de organizações militares são intrinsecamente diferentes das unidades das SOF doutrinárias que conduzem missões das SOF. Num país, uma unidade de elite pode estar a conduzir operações de contra-insurgência ou a combater o banditismo. Noutro, pode ter a tarefa de proteger infra-estruturas nacionais críticas ou recursos naturais.
Muitas vezes, durante o Flintlock, há evidências de que algumas nações africanas cruzam conceitos convencionais e de elite com os das SOF. As nações africanas apresentam unidades de tarefas de tamanhos diferentes. Algumas são tão grandes quanto unidades convencionais, o que dificulta alcançar a velocidade, a segurança e o elemento surpresa necessários para as missões das SOF. Existem desafios de interoperabilidade e tácticas quando nações com pequenas unidades das SOF trabalham com nações com unidades de tamanho convencional. Algumas nações no Flintlock podem usar unidades maiores devido a desafios únicos com operações no seu contexto nacional e terreno. Uma revisão do contexto operacional das SOF africanas, baseada na compreensão de conceitos e doutrinas estabelecidos para harmonizar os tamanhos das unidades operacionais, pode superar esses desafios.
Aproveitando o Poder das SOF
As SOF podem ser empregues como um instrumento do poder nacional, por vezes, denominado poder das SOF. O poder das SOF caracteriza a capacidade de uma pequena força militar ter um impacto superior ao seu peso em ambientes política e militarmente sensíveis, mas com um baixo custo para o Estado. Vimos isso em locais como o Mali, onde as SOF do Chade recuperaram território dos extremistas, e na Nigéria, onde unidades das SOF resgataram reféns mantidos pelo Boko Haram. Mesmo no Golfo da Guiné, pequenas unidades de comando libertaram marinheiros das garras de piratas e ajudaram a garantir a segurança das águas para o comércio.
O nível de desenvolvimento e o contexto das nações africanas afectam o emprego do poder das SOF na estratégia nacional. O poder económico de um Estado afecta os recursos e equipamentos militares disponíveis para as SOF. O avanço tecnológico e o crescimento das indústrias militares influenciam o desenvolvimento de equipamentos especializados e armas e a sua manutenção. Os conceitos e a doutrina sobre as SOF e o emprego das SOF devem reflectir que as nações africanas não têm o mesmo nível de recursos que muitos países ocidentais. As SOF em África não terão o mesmo foco em tecnologia e recursos de apoio. No entanto, embora possam existir lacunas nas capacidades tecnológicas, a experiência dos operadores africanos e a sua capacidade de lidar com climas, terrenos e matrizes de ameaças particularmente difíceis conferem-lhes uma vantagem sobre as forças que dependem fortemente da tecnologia. Como muitas vezes é afirmado por operadores experientes das SOF: “Os seres humanos são mais importantes do que o equipamento.” Uma doutrina africana das SOF deve reflectir esta realidade.

Ampliação dos Objectivos
O Flintlock proporcionou enormes benefícios ao criar consciência sobre a importância das SOF nas operações de combate ao terrorismo e no contexto mais amplo da resposta a crises. Os efeitos alcançam os aspectos políticos, económicos e sociais das nações por meio do envolvimento com líderes seniores, integração interagências, programas de acção cívico-militar local, assistência humanitária, projectos de desenvolvimento, mensagens públicas e operações de informação. Cada edição do Flintlock inclui eventos como programas de assistência médica ou programas veterinários que alcançam milhares de pessoas. Isso se desenvolveu ao longo dos anos, assim como o reconhecimento de que não existe uma solução exclusivamente militar para o extremismo violento. O problema deve ser abordado de forma holística, respondendo às causas profundas do flagelo e conquistando os corações e as mentes daqueles que estão mais próximos da violência.
O exercício ampliou os seus objectivos, não se limitando a derrotar redes de organizações terroristas e extremistas violentas, mas ajudando as SOF a ganhar a confiança da população local através da adesão demonstrada ao Estado de direito e aos quadros jurídicos aplicáveis que apoiam as autoridades civis. Quando as comunidades vêem de perto o pessoal das SOF, tendem a ficar tranquilas, pois percebem que se trata de profissionais em quem podem confiar. Muitos países têm legados complicados a superar, e o objectivo é que os civis compreendam que, em caso de emergência, podem correr para as suas forças armadas em vez de fugir delas.
Mapeamento de uma Estratégia
A abordagem para desenvolver conceitos e doutrina para as SOF em África precisa de ser inclusiva e abrangente. Esta não é uma tarefa fácil. Desenvolver uma linguagem comum de conceitos e doutrina para as SOF em África será um desafio, mas os desafios são insignificantes em comparação com os desafios reais que a África do Norte e Ocidental enfrentam devido ao extremismo violento. Em 2024, houve 10.400 mortes relacionadas com a violência islâmica militante no Sahel, tornando-a na região mais afectada pelo terrorismo no mundo. Não há tempo a perder para enfrentar esta ameaça.
O desenvolvimento de um quadro conjunto para as SOF em África é vital para enfrentar as ameaças actuais, pois décadas de experiência nos mostraram que os actores malignos não respeitam as fronteiras geográficas. Conforme afirmou o comandante do Comando de Operações Especiais dos EUA em África, Contra-almirante Ronald Foy: “Nenhum país pode enfrentar e resolver estes desafios sozinho.” Esta expressão não só dá credibilidade à importância de conceitos e doutrinas comuns para as SOF em África, como também mostra que devemos enfrentar as ameaças de hoje e estar preparados para os desafios do amanhã.
O Flintlock sofreu enormes mudanças nos seus objectivos e execução ao longo dos últimos 20 anos. O que inicialmente foi concebido como um modelo de intercâmbio conjunto e combinado de treino hierárquico e multilateral, com forças internacionais a servir de mentores e as SOF africanas como formandos, continua a transformar-se num evento de treino culminante mais mutuamente benéfico e colaborativo. É vital que todas as partes continuem a compreender a estrutura das unidades das SOF receptoras, recolhendo informações sobre o seu funcionamento interno. São necessárias mais discussões com a liderança das SOF africanas para avançar no combate a uma ameaça comum. Uma metodologia útil seria uma abordagem sistémica, que exigiria um envolvimento extensivo com as SOF e outras agências sub-regionais e parceiros ocidentais. Quando feita correctamente, uma abordagem sistémica incorpora a formação como parte do sistema global, em vez de uma actividade anual isolada.
O Caminho a Seguir
Os conceitos e doutrina abrangentes das SOF em África, desenvolvidos pelas SOF africanas, oferecem grandes oportunidades para um esforço de combate ao terrorismo mais robusto e duradouro. Embora os auspícios do Flintlock proporcionem uma oportunidade para utilizar a doutrina das SOF da NATO para construir verdadeiramente a interoperabilidade, os conceitos utilizados e a doutrina empregada devem ser desenvolvidos e codificados pelas, com e através das SOF africanas. Esta abordagem de desenvolvimento de conceitos e doutrina centrados em África para as SOF pode parecer laboriosa e tediosa, mas oferece uma forma eficaz de enfrentar as ameaças complexas na região. Estas ameaças constituem um conjunto de problemas holísticos que exigirão uma solução holística. O primeiro passo para resolver este problema pode ser apenas o desenvolvimento, a formulação e a utilização de conceitos e a doutrina, liderados pelas SOF em África e doutrinados pelas SOF em África. Este é o desafio que a comunidade das SOF e o Flintlock enfrentam, com base em 20 anos de sucesso, para oferecer as ferramentas, as relações de trabalho e as infra-estruturas necessárias.
Sobre o autor: O Comandante Dzakpasu é o oficial comandante do Esquadrão do Barco Especial do Gana. As suas funções anteriores incluem oficial de operações de comando no Comando Fluvial, comandante do Quartel-General da Marinha do Gana em Burma Camp e comandante dos navios Blika e Garinga da Marinha do Gana. Ele possui mestrado em assuntos marítimos pela Universidade Marítima Mundial, na Suécia, e em defesa e política internacional pelo Colégio de Comando e Estado-Maior das Forças Armadas do Gana.