Enquanto dois generais no Sudão causam estragos no seu país em busca de riqueza e poder, outros países entram na jogada, procurando uma parte do bolo.
A guerra, que começou em 2023, devastou o país. Algumas estimativas apontam para um número de mortos que pode chegar a 150.000. Mais de 14,6 milhões de pessoas perderam as suas casas, tornando esta a pior crise de deslocados do mundo. A guerra também levou o país à beira da fome, com 30,4 milhões de pessoas — mais da metade da população do país — a precisar de ajuda humanitária.
As facções beligerantes na “Guerra dos Generais” do Sudão são as Forças Armadas do Sudão (SAF), sob o comando do General Abdel Fattah al-Burhan, e as Forças de Apoio Rápido (RSF), paramilitares da oposição, lideradas pelo antigo líder janjaweed conhecido como Hemedti. Nenhum dos lados articulou uma visão política clara, indicando que são as disputas pela riqueza do país, e não a ideologia, que estão a alimentar o conflito. Essa riqueza inclui as minas de ouro, cobre e minério de ferro do país, petróleo e produção agrícola.
Os países estrangeiros, particularmente na região do Golfo, estão a apoiar oportunisticamente os lados do conflito, na tentativa de obter acesso aos recursos naturais do Sudão, ao seu litoral de 850 quilómetros no Mar Vermelho e à sua posição estratégica como porta de entrada para o Sahara, o Sahel e o Corno de África.
“O conflito no Sudão evoluiu para um conflito com múltiplas facções, bem como diferentes dinâmicas históricas e geopolíticas,” Theophilus Dirisu escreveu para o Quays News. “O Sudão tornou-se um microcosmo de um jogo de poder mais amplo, no qual as potências emergentes do Médio Oriente procuram projectar o seu poder e obter vantagem sobre os seus rivais.”
Os países com interesses na guerra vão além de África e do Médio Oriente. China, Irão, Rússia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos tomam partido abertamente e, em alguns casos, forneceram armas e material que continuam a alimentar o conflito. Além de expandir a sua influência e desenvolver futuras fontes de receita sudanesas, alguns países que fornecem armas através da venda de armamento têm, na verdade, a ganhar financeiramente quanto mais a guerra se prolongar.
“O Sudão parece ser uma vitória fácil que se pode obter por um preço baixo,” o académico sudanês Magdi el-Gizouli disse numa reportagem da Bloomberg. “Pode-se obter a costa do Mar Vermelho, pode-se obter influência política em Cartum, pode-se obter recursos minerais a um preço muito baixo. Pode-se obter lucros enormes com um país como o Sudão.”

IRÃO COMERCIALIZA ARMAS EM TROCA DE INFLUÊNCIA
Desde o início de 2024, o Irão tem enviado aviões de carga para o porto do Sudão, controlado pelas SAF. A BBC e outras fontes noticiosas relataram evidências de que o Irão está a fornecer drones armados às SAF.
“Relatos sugeriram que essas entregas incluíam drones que mais tarde foram usados para bombardear uma passagem em Omdurman, quebrando um cerco,” noticiou a Quays News. “O Irão quer expandir a sua influência em África, particularmente no Mar Vermelho.”
O Sudão tinha um histórico de cooperação militar com o Irão antes do fim das relações em 2016, devido a um conflito entre o Irão e a Arábia Saudita, quando o Sudão se aliou à Arábia Saudita. Desde o início do conflito actual, o governo sudanês restaurou as relações com Teerão.
“O Irão está à procura de uma posição na região,” Suliman Baldo, director do Observatório de Transparência e Política do Sudão, disse à BBC. “Se receberem concessões geoestratégicas, certamente fornecerão drones mais avançados e numerosos.”
Em Março de 2024, o Irão solicitou ao Sudão a criação de uma base naval no Porto do Sudão, no Mar Vermelho. As SAF rejeitaram o pedido do Irão. Apesar da rejeição, o Irão teria fornecido drones Mohajer-6 às SAF, de acordo com o Atlantic Council.
Em Fevereiro de 2025, o Irão e o Sudão revelaram uma nova aliança, com o então ministro das Relações Exteriores do Sudão, Ali Youssef, reunindo-se em Teerão com o seu homólogo iraniano, Abbas Araqchi, e o presidente do Parlamento iraniano, Mohammad Bagher Ghalibaf. A Al Jazeera e agências de notícias iranianas afirmaram que os dois países estavam a trabalhar num “plano claro para promover interesses mútuos.” Eles teriam concordado com isenções mútuas de vistos de entrada para portadores de passaportes diplomáticos, especiais e oficiais. Relatos indicam que o Irão ainda está a negociar com o Sudão uma base naval iraniana no Mar Vermelho.

RÚSSIA QUER BASE NAVAL
No passado, o Grupo Wagner de mercenários russos apoiou Hemedti e as RSF, motivado pelo controlo de Hemedti sobre as minas de ouro do Sudão. As RSF ajudaram a contrabandear grandes quantidades de ouro para o Médio Oriente, onde é vendido no mercado mundial. O transporte de ouro enriqueceu Hemedti e forneceu apoio financeiro crucial às RSF. Também ajudou a financiar a guerra da Rússia com a Ucrânia, afirmam os investigadores.
Em troca do acesso às minas de ouro, o Grupo Wagner forneceu às RSF mísseis terra-ar, permitindo-lhes alvejar e abater caças das SAF, de acordo com os relatos.
O Sudão partilha uma fronteira de 382 quilómetros com a Líbia, no extremo noroeste, o que se revelou uma vantagem para o Grupo Wagner, agora conhecido como Africa Corps. Os mercenários russos estão alinhados com o Marechal Khalifa Haftar, o homem forte do leste da Líbia. Relatos mostram que os mercenários têm se envolvido num extenso contrabando de combustível através da fronteira para beneficiar as RSF. Entre Abril e Outubro de 2024, a Rússia forneceu 2,8 milhões de barris de diesel e gasolina ao Sudão, representando quase metade das importações de combustível do país, informou a Bloomberg.
O envolvimento da Rússia no Sudão também tem sido impulsionado pelo seu interesse estratégico em garantir o acesso ao Mar Vermelho. Depois de aliar-se às RSF desde o início da guerra, a Rússia mudou a sua aliança para as SAF em 2024. A mudança foi provocada por um acordo de 2017 que prometia a Moscovo uma base naval em Port Sudan, mas que ficou parado. Após reuniões diplomáticas em meados de Fevereiro de 2025, o Sudão concordou em permitir uma base naval russa no país.
Uma base naval russa no Sudão apoiaria os objectivos estratégicos da Rússia em África e no Mediterrâneo, “ao mesmo tempo em que diminuiria a dependência russa das bases na Síria após o colapso do regime de Bashar al Assad,” informou o Instituto para o Estudo da Guerra. O instituto também observou que a Rússia poderia permitir que o Irão operasse a partir da base proposta em Port Sudan.

CHINA QUER RECURSOS E ACESSO
A China tem uma longa história com o Sudão, que remonta ao reconhecimento diplomático mútuo em 1959. A certa altura, a China foi o maior fornecedor de armas do Sudão. A participação de Pequim no Sudão diminuiu significativamente desde que o Sudão do Sul ficou com a maior parte das reservas de petróleo quando se tornou independente em 2011. Ainda assim, o Sudão continua a ser um dos parceiros importantes da China, com um mercado de exportação no valor de 1,3 bilhões de dólares.
A China está interessada nos depósitos de ouro do Sudão e na localização de Port Sudan, no Mar Vermelho, como centro comercial regional, um analista disse à Voz da América. O governo chinês não tomou uma posição oficial sobre o Sudão. A Amnistia Internacional afirma que a China armou ambos os lados do conflito, fornecendo drones armados de fabrico chinês, bloqueadores avançados de drones, morteiros e espingardas antimaterial. Relatos indicam que a China está a negociar a venda de aviões a jacto avançados para as SAF. Relatos não confirmados indicam que as SAF já possuem alguns desses aviões.
A China construiu um porto de 140 milhões de dólares em Port Sudan para transportar camelos e está em negociações com as SAF para investir numa nova refinaria de petróleo e reconstruir o maior matadouro do país, de acordo com uma reportagem da Bloomberg de Dezembro de 2024.
EAU COMO O ‘MAIOR ACTOR ÚNICO’
Os investigadores e repórteres afirmam que os Emirados Árabes Unidos (EAU) têm participado activamente na guerra do Sudão. O Observatório do Conflito do Sudão afirma que começou a acompanhar os movimentos dos EAU em 2023 e registou 32 voos entre Junho de 2023 e Maio de 2024, concluindo com “quase certeza” que se tratava de transferências de armas dos EAU para as RSF. No final de 2024, o jornal Sudan Tribune noticiou que os EAU concordaram em parar de fornecer armas às RSF.
Os analistas afirmam que os EAU são o interveniente estrangeiro que mais investiu na guerra. Consideram o Sudão, rico em recursos e estrategicamente localizado, uma oportunidade para expandir a sua influência e controlo no Médio Oriente e na África Oriental, de acordo com a página da internet de notícias The Conversation.
“Desde 2018, os EAU investiram mais de 6 bilhões de dólares no país,” a investigadora May Darwich escreveu para o The Conversation. “Isso inclui reservas estrangeiras no banco central sudanês, projectos agrícolas e um porto no Mar Vermelho. Os EAU também recrutam e pagam combatentes do Sudão, principalmente das Forças de Apoio Rápido, para se juntarem ao seu conflito no Iémen.”
Outros afirmam que os EAU têm uma influência significativa sobre as partes beligerantes e poderiam usá-la para promover a paz.
“Os EAU são o maior interveniente na guerra do Sudão,” a jornalista sudanesa Nesrine Malik escreveu numa coluna de Janeiro de 2025 para o jornal The Guardian. “O Estado do Golfo tem um padrão de agir como fazedor de reis nas guerras africanas, apostando para que, se o seu parceiro escolhido prevalecer, os EAU tenham acesso a vastos recursos e poder geopolítico.”

ARÁBIA SAUDITA FORMA ALIANÇA
Tal como os EAU, a Arábia Saudita investiu fortemente na economia do Sudão, com foco em infra-estruturas, mineração, agricultura e acesso portuário ao Mar Vermelho. A Arábia Saudita está a tentar garantir rotas marítimas e proteger os seus investimentos a longo prazo. Tem apoiado abertamente as SAF sob o comando de al-Burhan.
Tropas sudanesas também teriam servido como soldados mercenários em campanhas orquestradas pela Arábia Saudita, fortalecendo os laços entre os dois governos.
A aliança com as SAF serve as ambições regionais da Arábia Saudita, incluindo o apoio à liderança do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman e o avanço dos seus objectivos económicos, sociais e culturais de longo prazo, conhecidos como Visão 2030. O plano data de 2016.
A cooperação do governo saudita com as SAF tem raízes na cooperação militar, no investimento económico e em interesses regionais estratégicos, incluindo esforços para combater a influência iraniana. No entanto, devido às complexidades políticas da região e à devastação causada pela guerra no Sudão, a Arábia Saudita também tentou organizar negociações de paz. O resultado foi uma aliança complicada e, por vezes, frágil entre os dois países.
PROLONGANDO A GUERRA
Todos os anos, a Lista de Vigilância de Emergências do Comité Internacional de Resgate analisa os países mais susceptíveis de sofrer uma crise humanitária nova ou agravada. Pelo segundo ano consecutivo, o Sudão liderou a lista em 2025, numa altura em que o colapso do país se acelera no meio de uma guerra brutal.
O comité afirma que, em vez de promover a diplomacia, as potências externas estão a alimentar o conflito, canalizando armas para os seus aliados. “Os líderes das SAF e das RSF parecem acreditar que a continuação dos combates serve melhor os seus interesses, deixando o Sudão numa trajectória rumo a um colapso humanitário catastrófico,” observou o comité.
Emadeddin Badi, investigador sénior dos Programas do Médio Oriente do Atlantic Council, defende que a extensa interferência estrangeira no Sudão está apenas a prolongar a guerra.
“Nesta teia de interferência externa, as elites militares sudanesas continuam a apostar o futuro da sua nação numa promessa efémera de domínio, deixando um rasto de devastação,” escreveu Badi.