Nas vastas extensões rurais do Burquina Faso, Mali e Níger, os residentes sentem pouca influência dos seus governos centrais. Esse vazio abriu caminho para que o grupo terrorista Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin espalhasse a sua influência, atendendo às necessidades de segurança locais e impondo a rigorosa lei islâmica conhecida como Sharia.
A organização, também conhecida como JNIM, é um grupo que reúne quatro grupos insurgentes alinhados com a al-Qaeda. Desde que surgiu no Mali em 2017, o JNIM espalhou-se pelo Burquina Faso e pelo Níger. Pelo caminho, a organização trabalhou para recrutar membros de grupos marginalizados, como pastores Fulani e separatistas Tuaregues, em zonas que foram amplamente ignoradas pelos governos nacionais.
“A estratégia do JNIM combina ideologia com pragmatismo, adaptando-se às realidades locais e trabalhando através de líderes tradicionais e religiosos para se consolidar nas estruturas comunitárias,” a analista Anoushka Varma, do Soufan Center, disse à ADF num e-mail.
O JNIM oferece serviços básicos, garantias de segurança e resolução limitada de disputas por meio de tribunais da Sharia, escolas e minas de ouro informais.
“No entanto, essa prestação de serviços é esporádica, inconsistente e não substitui de forma clara as funções de um Estado funcional. É principalmente coercitiva e transaccional,” escreveu Varma.
O líder do JNIM, Iyad Ag Ghali, é da etnia Tuaregue e um ex-diplomata maliano que liderou a revolta de 2012 que buscava transformar o norte do Mali num Estado Tuaregue separado chamado Azawad. O vice-líder do JNIM, Amadou Koufa, é da etnia Fulani.
O JNIM usa diferentes métodos para ganhar influência sobre as comunidades locais. Um dos métodos consiste em utilizar vídeos de propaganda para mostrar os ataques do governo, muitas vezes, auxiliado por mercenários russos, contra as comunidades locais. Vídeos subsequentes mostram combatentes do JNIM a distribuir alimentos e outros recursos a essas comunidades. Posteriormente, o JNIM lançou ataques de retaliação contra as forças governamentais em nome dessas comunidades.
O JNIM seguiu esse roteiro em Março, após denunciar um ataque do governo perto da comunidade de Solenzo, no oeste do Burquina Faso, que matou 130 residentes Fulani. Em retaliação, o JNIM atacou um acampamento militar em Diapaga e matou mais de 30 soldados e combatentes voluntários.
No entanto, o JNIM também usa bloqueios e cercos para controlar algumas comunidades.
“As populações locais, muitas vezes, estão abertas a algum compromisso com o JNIM, porque o Estado foi incapaz de as proteger,” Liam Karr, analista do Instituto para o Estudo da Guerra, disse ao Arab Weekly. “Estes acordos levam o JNIM a levantar os cercos, cessar os ataques ou concordar em proteger as populações, o que ajuda a trazer de volta a normalidade e a paz.”
As comunidades que se submetem ao domínio do JNIM ganham uma aparência de paz em troca de restrições semelhantes às impostas pelos talibãs à sociedade, de acordo com Varma. Os homens são obrigados a deixar crescer a barba. As mulheres são proibidas de frequentar espaços públicos. A música é proibida. O JNIM impõe os seus próprios impostos às comunidades para financiar as suas operações, mas os combatentes também roubam gado para se financiar. “Estas práticas estão claramente a romper com as práticas estabelecidas e certamente não são muito populares,” Yvan Guichaoua, investigador sénior do Centro Internacional de Estudos sobre Conflitos de Bona, disse recentemente à BBC. “Mas se é atraente ou não, também depende do que o Estado é capaz de oferecer, e tem havido muita decepção com o que o Estado tem feito nos últimos anos.”
Os golpes que derrubaram os governos democraticamente eleitos no Burquina Faso, Mali e Níger entre 2021 e 2023 tiveram origem, em parte, na frustração com a incapacidade dos governos de controlar o JNIM e outros grupos insurgentes. Desde esses golpes, os ataques do JNIM e de outros grupos aumentaram. O JNIM opera agora em todo o Mali, em 11 das 13 províncias do Burquina Faso e em várias províncias do oeste do Níger. O aumento da violência fez com que os três países do Sahel fossem considerados o epicentro global do terrorismo nos últimos dois anos.
Como o JNIM continua a ser mais poderoso nas zonas rurais e nas pequenas aldeias, parece estar a mudar a sua estratégia para ataques às cidades. No início de Julho, o JNIM lançou sete ataques simultâneos que incluíram cidades do oeste do Mali, perto das fronteiras com o Senegal e a Mauritânia. As forças governamentais acabaram por repelir esses ataques, mas eles sugeriram uma mudança para o JNIM assumir alvos maiores. No entanto, o grupo não tem recursos humanos suficiente para conquistar uma grande cidade, de acordo com especialistas.
Mesmo com os ataques do JNIM às cidades, o equilíbrio de poder com o governo permanece praticamente inalterado, de acordo com Ibrahim Yahaya Ibrahim, vice-director de projectos para o Sahel do International Crisis Group.
“As partes estão a travar uma guerra de desgaste, com grupos jihadistas a expandirem-se nas áreas rurais e as forças governamentais e seus aliados russos a controlar os centros urbanos,” escreveu Ibrahim. “Os recentes apelos do JNIM aos malianos para se mobilizarem contra Bamako [o governo] e os seus apoiantes russos sugerem que o grupo pode estar a tentar encorajar o colapso do regime a partir de dentro.”