Em toda a África, os chamados “espaços não governados” servem como terreno fértil para organizações terroristas, bem como pontos de trânsito para armas, drogas e outros contrabandos. Aumentar a presença do governo nesses espaços é uma parte vital do planeamento do combate ao terrorismo, de acordo com especialistas.
“É diferente em cada região ou país, mas existem algumas semelhanças,” o Tenente-General Katanga Muhanga, comandante das forças terrestres da Força de Defesa do Povo do Uganda, disse na recente Conferência dos Chefes de Defesa Africanos, realizada em Nairobi, no Quénia. “Os terroristas aproveitam-se dos espaços não governados.”
Os espaços não governados podem estar em qualquer lugar, mas são mais frequentes em regiões fronteiriças distantes do governo central. A falta de infra-estruturas públicas pode dificultar o acesso das forças de segurança a essas áreas para fazer cumprir a lei e regular o tráfego através de fronteiras frequentemente porosas. A falta de serviços governamentais e de segurança também alimenta o ressentimento entre os residentes locais e pode levar muitos a dependerem de grupos insurgentes para obter serviços de fiscalização da lei e do sistema judicial.
No Sahel, por exemplo, o Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM) preencheu o vazio dos serviços governamentais em vastas áreas do Burquina Faso e do Mali. Os grupos terroristas aproveitam a sensação de insegurança para recrutar novos membros entre os jovens que vivem nesses espaços sem governo, explicou Muhanga.
Uma análise de dados do Programa de Dados sobre Conflitos de Uppsala mostra que, do norte do Burquina Faso ao leste da República Democrática do Congo e ao centro da Somália, a maior parte da violência em todo o continente ocorre em regiões onde os governos nacionais têm pouca ou nenhuma autoridade prática, de acordo com o Major Chinedu Chikwe, das Forças Armadas da Nigéria.
“Estabelecer instituições estatais nesses espaços sem governo garantiria o controlo governamental e incentivaria as actividades económicas nessas áreas,” Chikwe escreveu num estudo publicado no InterAgency Journal em 2024. “Além disso, a presença de instituições governamentais garantiria a manutenção do Estado de direito.”
Na ausência de um governo funcional, os grupos terroristas tornaram-se, na prática, o governo nessas regiões, impondo a sua própria forma de tributação aos residentes locais, juntamente com interpretações draconianas da lei islâmica.
Na Somália, onde as tropas ugandesas servem numa missão de manutenção da paz da União Africana, o al-Shabaab tornou-se uma espécie de governo em espera, disse Muhanga.
“O al-Shabaab de hoje não é o al-Shabaab do passado,” disse Muhanga. “Eles têm uma nova cara. Constroem mesquitas. Cobram impostos.”
No norte da Nigéria, as zonas não governadas dos Estados de Borno, Kaduna e Zamfara tornaram-se refúgios para terroristas que operam em países vizinhos, como o Níger e o Chade. A partir da sua base na Floresta de Sambisa, no Estado de Borno, o Boko Haram explorou as fronteiras porosas para contribuir directa ou indirectamente para a morte de mais de 350.000 pessoas em toda a região, de acordo com um estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
“O grupo aproveitou-se do fraco controlo estatal das fronteiras entre o Níger e a Nigéria para movimentar combatentes e armas,” os investigadores Ernest Aniche, Chris Nshimbi e Inocent Moyo escreveram na revista The Conversation.
Reforçar a segurança nas fronteiras em locais não governados, como o Estado de Borno, “garantiria que as zonas fronteiriças não fossem deixadas sem governo, travando assim as actividades insurgentes,” escreveu Chikwe.
Como ferramenta do combate ao terrorismo em espaços governados, a segurança nas fronteiras exige que os países de ambos os lados da fronteira partilhem informações e colaborem no policiamento, disse Muhanga.
“Este é o momento em que os países africanos devem desenvolver estratégias conjuntas para combater o terrorismo,” frisou.