É quase meia-noite e o radar de um navio namibiano detecta um arrastão estrangeiro conhecido por pesca ilegal, não declarada e não regulamentada a entrar nas águas namibianas. O navio namibiano comunica com o centro de monitorização das pescas do país em Walvis Bay e a Marinha e o departamento das pescas são alertados.
No entanto, não há navios de fiscalização perto da fronteira marítima entre a Namíbia e Angola e o navio estrangeiro foge das autoridades.
Este cenário repete-se regularmente e nenhum navio suspeito foi recentemente apreendido e processado na Namíbia, informou a investigadora sénior Carina Bruwer, do projecto Enhancing Africa’s Response to Transnational Organized Crime.
As águas namibianas são regularmente alvo de navios de pesca estrangeiros, particularmente chineses, que se dedicam a actividades ilegais para saquear valiosos carapau e outras espécies, como a pescada, a abrótia-sul-africana e o pargo. O país perde mais de 83,7 milhões de dólares por ano com a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada, o que agrava a insegurança alimentar e ameaça os empregos de mais de 18.000 pessoas que trabalham na pesca namibiana.
A China é o pior infractor da pesca ilegal do mundo, de acordo com o Índice de Risco da Pesca INN. Entre as principais 10 empresas envolvidas na pesca ilegal, a nível mundial, oito são provenientes da China.
Matti Amukwa, presidente da Confederação das Associações de Pesca da Namíbia, apelou a medidas urgentes para pôr fim à pesca ilegal.
“Há muito tempo que permitimos que estrangeiros devastem os nossos recursos pesqueiros namibianos,” Amukwa disse numa carta dirigida ao Ministério das Pescas, a que o jornal The Namibian teve acesso. “Temos de agir agora e impedir os danos causados por embarques de pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN) bem conhecidos … Não podemos depender dos governos de outros países para impedir o roubo dos nossos recursos.”
Os barcos de pesca estrangeiros são conhecidos por abusarem das regras locais para registar um navio de pesca de propriedade e operação estrangeira num registo africano e pescar em águas locais. Isso é conhecido como “flagging in” ou ostentar uma “bandeira de conveniência.” Isso ajuda os proprietários das embarcações a evitarem encargos financeiros e outros regulamentos.
Muitos dos navios que ostentam bandeiras de conveniência na Namíbia vêm de Angola. Durante uma época de defeso em 2022, as autoridades apreenderam um arrastão russo pertencente a uma empresa chinesa com 300 toneladas de carapau a bordo perto da província angolana do Namibe, informou Bruwer. Angola perde cerca de 227 milhões de dólares anualmente com a pesca ilegal.
Embora os navios estrangeiros não estejam autorizados a pescar nas águas angolanas, muitas vezes, os operadores da pesca ilegal utiliza empresas fictícias, empresas-fantasma e acordos de joint ventures que dificultam a investigação e o julgamento dos navios acusados de pesca ilegal.
Armando Filipe, membro de uma cooperativa de pesca artesanal angolana, condenou a presença de arrastões estrangeiros nas águas do seu país. “Os próprios arrastões capturam uma quantidade exagerada do que deveria ser capturado e, em muitos casos, não aproveitam, devolvem tudo ao mar,” Filipe disse à Voz da América.
Os navios infractores na região também ostentam bandeiras de conveniência dos Camarões, uma bandeira popular entre os russos. Esses navios costumam desligar o seu Sistema de Identificação Automática pouco antes de cruzar a fronteira marítima com a Namíbia. Depois de roubar o peixe da Namíbia, reactivam o sistema de identificação e regressam a Angola, onde o pescado é transbordado ilegalmente.
Quando os navios de pesca ilegal são impedidos de entrar nos portos da Namíbia, costumam atracar na Cidade do Cabo. Como não transportam peixe, é difícil para as autoridades reunir provas de irregularidades.
Bruwer escreveu que o recém-criado Projecto Atlântico da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral é um esforço colaborativo promissor para combater a pesca ilegal. Este projecto visa facilitar a cooperação transfronteiriça para combater a pesca ilegal e outros crimes em Angola, Namíbia e África do Sul. Desenvolveu um registo de riscos para ajudar os países a identificar actividades suspeitas anteriores antes de os navios solicitarem a entrada nos portos.
“Para atingir o seu pleno potencial, esta cooperação deve ser complementada por uma maior capacidade depoliciamento no mar, pela recusa dos Estados em registar ou conceder licenças de pesca a embarcações suspeitas e pelo desenvolvimento de políticas e práticas relacionadas com a divulgação da propriedade das embarcações, a fim de garantir a responsabilização,” escreveu Bruwer.