Desde que chegaram ao Mali há quase quatro anos, os mercenários do Grupo Wagner da Rússia sequestraram, prenderam e torturaram centenas de civis malianos em conjunto com a junta governativa do país. Alguns dos capturados foram mantidos em cativeiro para obtenção de resgate antes de serem libertados para a polícia local.
Muitos dos que estão nas mãos do Grupo Wagner são membros da comunidade Fulani, que tem sido repetidamente alvo de ataques por soldados e mercenários.
“Os civis têm sido deliberadamente visados desde a chegada do Grupo Wagner,” Yvan Guichaoua, investigador do Centro Internacional de Estudos de Conflitos de Bona, disse aos investigadores do grupo de comunicação social Forbidden Stories. “As forças de segurança tendem a ver as populações que vivem em áreas influenciadas pelos jihadistas como colaboradoras.”
A junta governativa do Mali, liderada pelo Coronel Assimi Goïta, derrubou a liderança democrática do país em 2021, alegando que o governo estava a falhar em acabar com a rebelião de anos dos grupos Tuaregues no norte. Desde então, a junta enfrenta dificuldades para restaurar a segurança no país. O grupo de Goïta expulsou as forças francesas e convidou mercenários do Grupo Wagner para o Mali para treinar as suas forças armadas. Os mercenários do Grupo Wagner rapidamente passaram de instrutores a executores de ataques contra comunidades em todo o país, parte de um padrão de violações de direitos humanos que demonstraram na República Centro-Africana, na Líbia e na Síria.
“Trazer os russos tem implicações directas na forma como a força é usada,” disse Guichaoua.
A estratégia do Grupo Wagner no Mali incluía operar prisões em seis bases militares onde civis capturados eram mantidos, espancados e torturados — muitos deles inocentes de qualquer envolvimento com grupos extremistas.
“A maioria das pessoas morre na detenção,” Attaye Ag Mohamed Aboubacrine, vice-secretário-geral do grupo de direitos humanos Kal Akal, disse aos investigadores da Forbidden Stories.
Os investigadores entrevistaram malianos que vivem num campo de deslocados em Mbera, na Mauritânia, que sobreviveram ao contacto com as forças do Grupo Wagner entre 2022 e 2024. Os prisioneiros eram mantidos em prisões em bases militares em Bapho, Kidal, Niafunké, Nampala, Sévaré e Sofara. As antigas bases das Nações Unidas também foram transformadas em prisões.
“O número total de centros de detenção activos durante a missão do Grupo Wagner no país é provavelmente muito superior às seis prisões identificadas pelo nosso consórcio, conforme nos informaram vários especialistas,” escreveram os investigadores.
O Grupo Wagner manteve alguns prisioneiros em contentores metálicos totalmente expostos ao sol escaldante.
“À noite, estava escuro como breu. Havia apenas alguns buracos para a luz entrar. Não havia nada além de uma tábua no chão,” um alfaiate de 25 anos identificado como Ismail disse aos investigadores. “Havia cerca de 10 de nós lá dentro durante os 40 dias que passei lá.”
Ismail disse aos investigadores que os seus captores o espancaram até perder a consciência no seu primeiro dia sob custódia. Mais tarde, foi forçado a carregar camiões e cavar buracos.
Um lojista Fulani identificado como Nawma passou quatro dias sob custódia do Grupo Wagner numa prisão em Nampala, onde foi amarrado nu num chuveiro e espancado na cabeça.
“Perdi muito sangue,” Nawma disse aos investigadores. “Eles também queimaram o meu estômago com um isqueiro.”
De acordo com o defensor dos direitos humanos, Boubacar Ould Hamadi, presidente do Colectivo para a Defesa dos Direitos do Povo Azawad, os abusos cometidos pelas Forças Armadas do Mali e pelos mercenários do Grupo Wagner fazem parte de uma estratégia para expulsar as pessoas das regiões-alvo.
O colectivo registou mais de 300 sequestros ou desaparecimentos no norte do Mali apenas entre Outubro de 2024 e Março de 2025. Em alguns casos, os malianos capturados por mercenários do Grupo Wagner foram mantidos em cativeiro para resgate ou entregues às autoridades malianas para serem processados. Foi o que aconteceu com Mohamed, um assistente médico Tuaregue que foi capturado junto com outras oito pessoas num mercado no centro do Mali em Dezembro de 2022.
Depois de ser interrogado durante dois dias sobre um homem que os soldados malianos estavam a procurar, Mohamed foi entregue à gendarmaria sob falsas acusações. Ele foi liberto depois que a sua família pagou 2.600 dólares americanos.
Nas últimas semanas, o Grupo Wagner anunciou que estava a sair do Mali para ser substituído pelo Africa Corps do Ministério da Defesa russo, um grupo composto em grande parte por antigos combatentes do Grupo Wagner. Guichaoua disse que o convite da junta maliana ao Grupo Wagner — e agora ao Africa Corps — faz parte de uma estratégia mais ampla de usar mais força e evitar a responsabilização.
“Os malianos provavelmente queriam mudar a forma como travam a guerra e livrar-se do escrutínio externo sobre o seu exército,” Guichaoua disse à Forbidden Stories. “Trazer os russos tem implicações directas na forma como a força é usada.”