Golpes de investimento falsos, ransomware, sextorsão digital e comprometimento de e-mails comerciais estão a aumentar em todo o continente. Especialistas afirmam que os países africanos devem fazer mais para proteger os seus cidadãos.
A crescente dependência digital nos sectores público e privado, juntamente com “uma grave falta de capacidade em matéria de segurança cibernética,” tornaram os africanos extremamente vulneráveis, de acordo com Anna Collard, vice-presidente sénior de estratégia de conteúdo da empresa de software de segurança KnowBe4 Africa.
“Isso significa que África é uma área alvo atraente para os criminosos,” disse à ADF. “A maioria dos incidentes de segurança cibernética não é comunicada ou resolvida, o que significa que as ameaças cibernéticas em África são provavelmente muito piores do que se pensa.”
No ano passado, as notificações de suspeitas de burlas aumentaram 3.000% em alguns países africanos, de acordo com o Relatório de Avaliação de Ameaças Cibernéticas em África 2025 da Interpol.
“Esta quarta edição da Avaliação de Ameaças Cibernéticas da INTERPOL em África fornece um panorama vital da situação actual, com base em inteligência operacional, amplo envolvimento das autoridades policiais e colaboração estratégica do sector privado,” o director de crimes cibernéticos da Interpol, Neal Jetton, disse num comunicado quando o relatório foi publicado a 23 de Junho.
“Ele traça um quadro claro de um cenário de ameaças em constante mudança, com perigos emergentes, como fraudes impulsionadas pela IA, que exigem atenção urgente. Nenhuma agência ou país pode enfrentar esses desafios individualmente.”
As detecções de ransomware em África também aumentaram em 2024, com a África do Sul e o Egipto a sofrer os números mais elevados — 17.849 e 12.281, respectivamente, de acordo com os dados da Trend Micro.
A Nigéria (3.459) e o Quénia (3.030), duas outras economias altamente digitalizadas, seguiram na lista de ransomware e sofreram ataques cibernéticos em infra-estruturas críticas, como uma violação na Autoridade de Estradas Urbanas do Quénia, e em bases de dados governamentais, como os ataques ao Gabinete Nacional de Estatísticas da Nigéria.
Os incidentes de comprometimento de e-mails comerciais (BEC, na sigla inglesa) também aumentaram significativamente, com 11 países africanos responsáveis pela maioria das actividades originadas no continente. Na África Ocidental, a fraude de BEC impulsiona empresas criminosas altamente organizadas e multimilionárias, como o sindicato transnacional Black Axe.
“A segurança cibernética não é apenas uma questão técnica; tornou-se um pilar fundamental da estabilidade, da paz e do desenvolvimento sustentável em África,” afirmou o Director-Executivo Interino da Afripol, Embaixador Jalel Chelba. “Diz respeito directamente à soberania digital dos Estados, à resiliência das nossas instituições, à confiança dos cidadãos e ao bom funcionamento das nossas economias.”
A sextorsão digital, em que os criminosos utilizam imagens sexualmente explícitas para chantagear as suas vítimas, aumentou drasticamente, com 60% dos países africanos membros a reportar um aumento nos casos. Algumas destas imagens podem ser autênticas — partilhadas voluntariamente ou obtidas através de coacção ou engano — ou podem ser geradas pela inteligência artificial (IA).
“Os criminosos estão a tornar-se mais sofisticados, aproveitando a IA, a automatização e as tácticas de engenharia social para atingir vítimas em grande escala,” explicou Collard. “Estamos a assistir a um aumento preocupante de fraudes financeiras, fraudes românticas, comprometimento de e-mails comerciais e sextorsão digital, visando particularmente os jovens e os mais vulneráveis. O que muitas vezes não aparece nas estatísticas é o custo humano: danos à saúde mental, ruína financeira e erosão da confiança.”
O relatório da Interpol detalhou medidas positivas que alguns países africanos membros tomaram para fortalecer a sua resiliência cibernética, avançando os seus quadros jurídicos e harmonizando as leis da segurança cibernética com as normas internacionais. Muitos países também reforçaram as suas capacidades de resposta ao crime cibernético, investindo em unidades especializadas e infra-estruturas de investigação forense digital.
As melhorias deram frutos com duas operações internacionais de grande impacto contra o crime cibernético coordenadas pela Interpol — a Operação Serengeti e a Operação Cartão Vermelho — que, em conjunto, levaram à detenção de mais de 1.000 pessoas e ao desmantelamento de centenas de milhares de redes maliciosas.
A Interpol propôs seis recomendações estratégicas, incluindo a melhoria da cooperação regional e internacional, a expansão da prevenção e da sensibilização do público e o aproveitamento das tecnologias emergentes.
Collard, que está radicada na África do Sul, afirmou que há muito trabalho a ser feito.
“A nível nacional e continental, devemos investir em formação, resiliência cognitiva e sistemas de denúncia,” afirmou. “Equipar os defensores não se resume à tecnologia — trata-se de pessoas. É por isso que defendo a atenção plena digital e a ciberpsicologia para ajudar as pessoas a desenvolver hábitos de atenção e discernimento num mundo online barulhento.”
Medidas urgentes de Collard para indivíduos e comunidades:
- Fazer uma pausa antes de clicar: Muitos golpes dependem da manipulação emocional: urgência, medo, romance ou ganância. Um momento de reflexão consciente pode deter um golpe. A atenção plena digital é uma competência essencial na vida actual.
- Activar as medidas básicas de segurança: A autenticação de dois factores, palavras-passe fortes e actualizações regulares dos dispositivos são medidas simples, mas eficazes.
- Falar sobre o assunto: Os esquemas de burla prosperam com o silêncio. Quanto mais as pessoas partilharem experiências e aumentarem a sensibilização nas escolas, famílias e locais de trabalho, mais difícil será para os criminosos terem sucesso.