Durante décadas, a Rússia tem usado vastas redes obscuras para explorar os medos sobre pandemias e doenças como varíola, marburgo, ébola e malária. O objectivo é minar a confiança do público nos cuidados de saúde e atiçar as chamas da instabilidade, do racismo e da divisão.
África, com a sua população jovem e o uso crescente das redes sociais, apresenta um alvo atraente para as campanhas de desinformação e propaganda russas. Para esse fim, o Kremlin lançou a Iniciativa Africana, um meio de comunicação online com fortes ligações ao Grupo Wagner de mercenários russos.
“Há indícios de que a Iniciativa Africana esteja a sondar a saúde pública como algo susceptível a este tipo de guerra de informação,” Mark Duerksen, investigador do Centro de Estudos Estratégicos de África, disse à ADF. “Parece que encontraram outro ponto fraco que vão explorar. É muito cínico, porque vai dificultar os esforços de saúde pública no continente. Vai fazer com que menos pessoas tenham acesso aos cuidados de saúde.”
Duerksen, cujo trabalho inclui a análise do impacto crescente da guerra de informação no continente, disse que a Rússia aprendeu o valor de disfarçar as suas campanhas usando africanos proeminentes para amplificar as suas mensagens e dar-lhes uma ilusão de autenticidade.
A varíola do macaco, uma doença infecciosa com surtos em vários países da África Central, atingiu mais fortemente a República Democrática do Congo, com a maior proporção de casos e mortes. Falando a centenas de milhares de seguidores em várias plataformas de redes sociais, o influenciador togolês Egountchi Behanzin afirmou que a varíola do macaco foi criada em laboratórios militares europeus para esterilizar as comunidades congolesas e gerar lucros para as empresas farmacêuticas.
Behanzin, conhecido pelos seus sentimentos pró-Rússia, espalhou alegações falsas semelhantes sobre vacinas contra a malária. Em 2023, o boletim informativo Africa Confidential recebeu documentos vazados de um ex-agente do Grupo Wagner que identificou Behanzin como um dos vários blogueiros e influenciadores da África Ocidental que teriam sido pagos por entidades russas.
O boletim informativo relatou que Behanzin era um activista baseado em Paris, anteriormente conhecido como Sylvain Afoua, que criou uma organização chamada Ligue de défense Noire Africaine, ou Liga de Defesa Africana Negra. A liga foi proibida pelas autoridades francesas por distúrbios violentos à ordem pública em 2021.
“Egountchi Behanzin usou a sua plataforma para fazer alegações semelhantes sobre as vacinas contra a malária no Burquina Faso,” Duerksen disse à Voz da América. “As suas alegações foram amplificadas por influenciadores pró-russos e pela Iniciativa Africana, um grupo de desinformação patrocinado pela Rússia. As suas alegações devem ser avaliadas dentro deste contexto.”
As campanhas direccionadas a programas de saúde minam a confiança nas instituições governamentais e espalham a ansiedade que a Rússia pode explorar, de acordo com Ivana Stradner, investigadora de desinformação da Fundação para a Defesa das Democracias.
“O Kremlin sabe como a desinformação sobre saúde pode ser eficaz,” disse ao jornal britânico The Telegraph. “Durante a Guerra Fria, a intenção era fazer com que o HIV parecesse uma arma étnica, visando os africanos. Hoje está a acontecer algo muito semelhante. Eles sabem que é uma arma eficaz porque as coisas relacionadas com doenças desencadeiam respostas emocionais específicas que estão ligadas ao medo e à incerteza, sobretudo após a COVID e principalmente se houver um contexto étnico.”
Embora nenhuma das alegações tenha qualquer base factual, elas foram amplamente amplificadas nas redes sociais, muitas vezes, com mensagens idênticas em canais sociais apoiados pelo Kremlin e por influenciadores africanos pró-russos.
A East Stratcom Task Force, da União Europeia, uma equipa de especialistas nas áreas da comunicação, ciências sociais e estudos russos, emitiu recentemente um aviso aos países africanos sobre a campanha de desinformação da Rússia sobre a varíola do macaco.
“Se a desinformação não for combatida, as vacinas por si só não irão impedir a doença em África e noutros locais,” a equipa escreveu um artigo publicado a 17 de Junho. “A varíola do macaco continua a ser uma crise de saúde pública significativa, tal como a desconfiança generalizada da população. Não se deixem enganar.”